domingo, 28 de setembro de 2008

A profecia de Goethe


Publiquei antes das férias o texto “Quem morre” de Pablo Neruda. É um texto perturbador, chocantemente simples, que chama a nossa atenção para os males da alienação, que apela à descomplicação, à desconstrução das rotinas e elege o medo, o pessimismo e o racionalismo puro como males da vida moderna, remetendo-nos por outro lado para a simplicidade quase crua da nossa existência.
À medida que lemos o texto ele vai-nos fazendo sentir o quando nos afastamos das coisas simples da vida e nos vamos emulando no “ruído” infernal do dia-a-dia em nome de uma pretensa realização futura. Uma realização plena assente quiçá numa boa condição financeira, numa excelente carreira profissional e em mais não sei quantas coisas grandiosas. É em nome dessa expectativa que nos vamos afastando do essencial e das coisas simples. Acreditamos cegamente que essa concludente vitória final nos conduzirá à felicidade plena. Tudo o que é pequeno ao pé dessa brutal felicidade é insignificante e como tal desvalorizado. As pequenas coisas, as pequenas satisfações, as pequenas alegrias, as pequenas felicidades do dia-a-dia, essas passam-nos simplesmente ao lado.
A verdade é que começamos por idealizar tudo e passamos o resto da vida à procura de o concretizar. Frequentemente não nos aceitamos como somos, escondemos as nossas fragilidades - não vão os outros aproveitar-se delas e passamos o tempo a fazer de conta que somos fortes... e muito competitivos! Mostramos o que não somos, temos medo de parecer o que somos! Vivemos de forma incongruente!
É pois em cada gesto, em cada momento da vida que devemos buscar as pequenas porções de felicidade e abdicar de uma vez por todas da procura dessa felicidade em dose única, da qual não temos qualquer prova da sua existência.
Dormir na praia no entardecer, despedir-se da tarde em boa companhia com umas conquilhas ao Bolhão Pato regadas com um branco frutado enquanto o sol se esconde, jantar com amigos, conversar na companhia de um bom vinho tinto, partilhando, contemplando... são exemplos de prazeres simples que um simples mortal não deve dar-se ao luxo de desperdiçar!
Essa procura da felicidade em dose total é pois um enorme equivoco e com certeza responsável pela toma de muitos comprimidos que a industria farmacêutica generosamente põe ao nosso dispor. Vivemos numa sociedade em que todos temos de ter sucesso, ser bonitos, magros e felizes, é proibido sequer sentir-nos tristes.
De facto ou mudamos de vida, ou mais tarde ou mais cedo iremos tornar este mundo num enorme hospital cumprindo assim a profecia de Goethe.