sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O grande preservativo


Não deixa de ser irónico que vivendo nós no auge da grande revolução tecnológica, nomeadamente a das tecnologias da comunicação, estejamos cada vez mais isolados, vazios e encerrados dentro de uma bolha com cada vez menos canais comunicantes. As famílias depois de mais um dia de trabalho iniciam a cavalgada de final de tarde correndo com os filhos de actividade em actividade. Eles, esses verdadeiros cavalos de corrida, correm da música para a natação, da ginástica para o judo, do inglês para a explicação de matemática como se estivessem em plena pista de tartan. Depois do jantar corremos todos, cada um para o seu ecrã e vamos “comunicar” com os nossos 500 amigos no facebook, muitos, amigos apenas virtuais, que nem sequer temos a certeza se nos acudiam caso desmaiássemos num passeio. É neste mundo artificial que passamos a maior parte do nosso tempo livre, a bisbilhotar a vida de pessoas que mal conhecemos e com os quais, nalguns casos, nunca trocámos uma única palavra.
O homem terá sido, de acordo com algumas teorias, a espécie falhada, no sentido em que era profundamente incompetente à nascença. Esta teoria formula que a nossa espécie seria menos preparada para se confrontar com as adversidades do mundo externo que as demais. Enquanto, por exemplo, um pato consegue nadar um minuto depois de nascer, ou um vitelo andar logo que abandona o ambiente uterino, nós, ao contrário, nascemos em situação de grande fragilidade e dependência de cuidados de terceiros. Terá sido aliás essa dependência a responsável pela evolução da espécie, realizada a partir da relação com outros homens. Essa necessidade de cuidar e de ser cuidado, aguçou o engenho, permitindo o desenvolvimento da linguagem, dos afectos, da inteligência, da identidade, da personalidade, e sobretudo das emocões. A partir daí imergiram os papéis sociais e consequentemente todo o processo de socialização – o homem constrói uma ideia de si e do mundo a partir da relação com outros homens, diferentes de si e necessariamente com diferentes experiências e visões do mundo. O homem, portanto, desenvolve-se e distancia-se das demais espécies por uma necessidade absoluta de amparo. Essa incompetência primordial resultaria na perda de muitos indivíduos, dos mais fracos e menos aptos, permitindo a sobrevivência dos mais bem preparados enquadrando-se naquilo a que o inglês Charles Robert Darwin veio a defender mais tarde na sua teoria evolucionista.
Assim, seres humanos pouco competentes e menos hábeis do ponto de vista comunicacional, têm mais dificuldade e falham frequentemente no seu processo de socialização. Esta falha está muitas vezes associada a factores experienciais, ambientais e sobretudo relacionais que muitas vezes conduzem o indivíduo a quadros de perturbação de personalidade.
Naturalmente que não defendo nem associo o sucesso das redes sociais a estes factores, até porque existem pessoas muito competentes do ponto de vista social e que são utilizadores massivos das redes sociais. Ainda assim, penso que não será de todo descabido assumir sem receio que muitas pessoas trocam a comunicação face a face por esta comunicação descomprometida, por ser mais fácil e menos “onerosa” que outras mais próximas e, por isso, mais ameaçadoras.
É frequente, na clínica, encontrar pessoas com 1700 amigos no facebook mas que não têm um só para tomar um simples café.
Sou um utilizador das redes sociais. Todos os dias bisbilhoto um pouquinho da vida dos outros. Todos os dias exercito a minha ânsia voyeurista e todos os dias também levo necessariamente com a veia voyeur, exibicionistas e histriónica de algumas almas ávidas de “palco” e de reconhecimento.
Um dia deste recebi no facebook um pedido de amizade de uma pessoa, com a qual me cruzo frequentemente, mas apesar disso, nunca trocámos uma única palavra. Hesitei, na medida em que a nossa distância relacional era evidente, mas ao cabo de 3 dias aceitei o convite! Vasculhei o seu perfil de ponta a ponta. Fotografias e mais fotografias com poses mais ou menos provocantes onde era nítida a preocupação pela estética e os seus dotes físicos eram cuidadosamente postos em destaque. Viagens, muitas viagens devidamente legendadas para que não restassem dúvidas da sua veia viajante, das suas posses e do seu estatuto social. Pensei - Que mulher interessante. Continuei a vasculhar já a salivar como o cão de Pavlov. Mas nada mais! Para além dos seus atributos físicos, da sua necessidade de levar ao mundo o seu extraordinário estilo de vida, apenas restavam meia dúzia de erros ortográficos e um jogo tipo “Achas que o fulano tal era capaz de andar em cuecas na rua?”
Encontramo-nos casualmente dois dias depois num local público. Fiquei aflito, afinal conhecia imenso daquela mulher e ela de mim. Éramos quase íntimos. Como iniciaria a conversa? Sobre as suas idílicas viagens? Falava do seu corpo escultural? Dos erros ortográficos? Estava ansioso. Não sabia como começar. Depois pensei, ela é que teve a iniciativa do pedido, que seja ela então a fazer as despesas da conversa. Ela continuava a andar, a andar, ia finalmente passar por mim… E no grande momento…passou! Nada! Nem um olhar!
Foda-se! Sussurrei, entre dentes!
Assim a gente até se relaciona mas não engravida da relação. A relação virtual é, na maioria dos casos profundamente estéril! É como viver envolto num enorme preservativo atado pela boca. Estamos lá mas não nos tocamos.
Assim, no ano novo, preventivamente para não salivar em vão, vou eliminar da minha lista de amigos todos aqueles que, apesar de meus amigos virtuais, não falam comigo. São poucos felizmente! Em vez deles vou plantar 50 nabiças no meu quintal e tratá-las com carinho. Pelo menos assim posso relacionar-me desinteressadamente com elas, acompanhar o seu crescimento, sem ter que levar com as suas poses eróticas mais o seu fabuloso estilo de vida!

4 comentários:

antek disse...

Muito bem meu grande nabicultor. Mas não ligues: ela só fez isso para te provocar, são contas antigas...

Tânia Pêrito disse...

Olá meu ego favorito!!!
Tens razão, o mundo da bisbilhotice mediterrânica passou para dentro do computador de uma forma mais protegida e mais cobarde... isso de ver sem ser visto e de falar sem se identificar, sabe bem a muita gente: oh, não fui eu!!! Mas por outro lado, a internet é também um espaço de escape para toda esta alienação social que estamos a viver nos últimos anos... famílias desagregadas, trabalhos em turnos desencontrados ou a kms de casa. Os circuitos mudaram e já não existem as circunstâncias agregadoras de antes... o ficar no café da rua a ver o vizinho passar, aquele que trabalha já ali na porta ao lado, e que não tarda vem aqui ler o jornal e pôr a conversa em dia! Na zona onde eu moro já quase ninguém vai aos cafés! A lógica das grandes superfícies com seus espaços "amplos e sem fronteiras" passou para todo o espaço social. E nós contraímo-nos para nos protegermos... nem saímos de casa, ficamos mais individualistas!
... Era só para dar um abraço!!! Espero que estejas bem!
Sou a Tânia do psicodrama e que optou pelo Teatro!

Alberto Almeida disse...

Olá Tânia! É bom saber que estás por perto! Como posso ter um contacto teu?

Tânia Pêrito disse...

Olá! Podes contactar-me pelo facebook, pelo nome Tânia Pêrito, ou pelo mail ta_pereira_@hotmail.com. Há já uns meses que não uso internet (ando muito rural e com mudanças de residência!!!), mas espero que isso mude em breve. Gosto do teu blog! Um abraço!