terça-feira, 14 de junho de 2011

O risco de não correr risco nenhum








Ela andava prenha! Já com dificuldades em andar arrastava-se penosamente, com aquele olhar tranquilo de quem não espera muito da vida, apenas viver o que tiver de ser. Era a sua primeira gravidez. Nós andávamos frenéticos e com a cabeça cheia de planos. Esperávamos ansiosamente a hora feliz. E a hora chegou no dia 30 de Abril a meio da tarde. Pariu cinco lindos gatinhos.
Antes disso, já havíamos preparado a cama – uma caixa de papelão cuidadosamente escolhida, abrigada do frio, do vento, e do sol, forrada de fofos tecidos coloridos. Para além de confortável era linda. - Já dormi pior, pensei. Ela fez-nos a vontade e pariu precisamente nessa caixa. Dormimos tranquilos!
No dia seguinte os gatos tinham desaparecido. Incrédulos, o pânico apoderou-se de nós.
Procuramos por todo lado, qual pais inexperientes. Finalmente encontramos os pequenos felinos. Estavam no meio das ervas ao relento, sujos e cheios de carrapetos. Mudamo-los novamente para a confortável caixa. Nem queríamos acreditar como é que alguém preferia um baldio sujo àquele conforto de hotel 5 estrelas. Ela mudou-os uma, outra e um sem números de vezes. Nós repostamos! Ela mudou-os cada vez para locais mais ermos e inacessíveis! Desistimos!
Há poucos dias um rapaz de 11 anos morreu na cidade australiana de Brisbane depois de ter caído do sétimo andar de um prédio quando tentava tirar uma fotografia a fazer equilibrismo na varanda. O jovem pretendia colocar no Facebook a fotografia de um movimento que está a fazer sucesso entre jovens: o “planking”.
Vimos recentemente duas jovens a espancar brutalmente uma terceira, enquanto um quarto jovem filmava provavelmente cheio de adrenalina.
Sabemos também que diariamente chegam às urgências psiquiátricas dezenas de jovens, aparentemente bem inseridos social e familiarmente, a maioria estudantes, muitos universitários, em estados de crise psiquiátrica aguda por se terem entregue voluntariamente a experiências de consumo massivos de álcool, haxixe ou outras drogas de ocasião. Muitos destes episódios ganham a forma de concurso, onde cada adolescente se testa para ver quem aguenta mais, para testar limites, levando a estados limite em que a vida é seriamente posta em causa!
Outros exemplos chegam-nos todos os dias de jovens criados em autenticas redomas, que decidem experimentar de forma pouco convencional e despropositada situação de risco limite: Posse de armas, corridas a alta velocidade , etc...
O que os levará a fazer isso? O que tem isto a ver com os gatos?
Nada! E tudo!
Quisemos fazer com os gatos o que muitas famílias fazem com os filhos – asfixiá-los no conforto, percepcionar e protegê-los de todos os riscos, protegê-los do sol, do vento, do frio, do sofrimento e de tudo o que achamos que pode por em risco o seu conforto. Esquecemo-nos que descendemos do homem da caverna, de índole selvagem, que teve que aprender ombro a ombro com a morte a desenvolver competências para se manter vivo, e que por isso, sempre viveu no risco.
Hoje os nossos filhos vivem em estufas! E sempre que podem, não o podendo fazer faseadamente com os pais, fazem-no de forma abrupta com o seu grupo de pares. É a sua natureza. Nada mais simples!
Manuela Flamming já o tinha referido, invocando Peter Blos, no seu livro Toxicodependência e Família, chamando a atenção para esta nova estirpe de miúdos a quem tudo é oferecido e que são desordenadamente elogiados e admirados, mesmo quando cometem faltas e falhas graves. Estas crianças desenvolvem uma imagem de seres grandiosos, desenvolvendo uma auto-admiração acrítica que se torna numa fonte exclusiva de auto-estima. Vivem na dependência duma apreciação e aprovação irrealista do seu valor e da sua importância porque a sua falsa auto-estima tem de ser mantida à custa do alimento narcísico. A derrocada surge normalmente associada a perturbações de comportamentos ou a comportamentos aditivos e muitas vezes na sequência de pequenos nadas: uma reprovação, uma perda súbita, um fracasso profissional, uma rejeição amorosa, um irmão que obtém mais sucesso…Um profundo vazio, o sentimento de desvalorização de indignidade inunda então o self… e a raiva e o desespero preenchem então a sensação de vazio. São jovens que não travaram as lutas inerentes à realização do ser humano, porque vivendo em estufa, não se confrontaram com os processos dinâmicos inerentes ao crescimento e por isso nunca perderam mas também nunca ganharam. Mas tarde, procuram ansiosamente novos objectos ideais que restaurem a harmonia interna, construída na sua despedaçada grandiosidade infantil. Neste contexto, o encontro e a descoberta dos efeitos poderosos e mágicos do tóxico podem satisfazer de imediato o desequilíbrio e reparar o dano narcísico. Infelizmente o pedido de ajuda surge muito tempo depois!

3 comentários:

CABINENSE disse...

Excelente artigo, meu caro!
Estás com a pica toda, e muito bem.
Infelizmente é assim, tb fico preocupado. O risco inerente a esta gente é "niente"?!
Abraço.

Alberto Almeida disse...

Velho Henrique! É uma honra ser lido e comentado por ti, pessoa que muito admiro e por quem nutro especial afecto. O NOSSO tempo de "bando de pardais" à solta era muito mais saudável! Cabinenses sempre!!!!

Diana Margarida Roque disse...

O risco de não correr risco nenhum é um risco / certeza colossal.
Oxalá, muitos pais possam, atempadamente, tomar consciência de que assim é!

Excelente artigo.