quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A nobre arte de não usar carteira

Em Portugal, como noutros países de sangue quente, solarengos e de tendência esbanjadora e corrupta, o melhor indicador do sucesso pessoal de uma figura pública é a sua necessidade de usar um simples e banal objecto - A carteira de bolso.  Ah! Pensava que o sucesso pessoal de um político neste país se mede pela excelência do desempenho, pelos resultados alcançados, pela capacidade de liderança ou pela inteligência e sentido estratégico das decisões tomadas em proveito de todos? Nada disso, está enganado!

Neste país ocupar um lugar público, antes de mais, é uma oportunidade! Uma oportunidade de juntar um bom pé de meia, assegurar uns tachos e umas negociatas para familiares e amigos e sobretudo, traficando influências, realizar uns quantos bons negócios, que permitam engrossar substancialmente o  património pessoal.

Por exemplo, o Mário Soares, esse bonacheirão, esse porreiraço, não usa carteira há mais de 50 anos! Com certeza já nem sabe o que isso é. Desde os tempos do exílio dourado em S. Tomé e Paris até às benesses concebidas pelo nosso generoso regime democrático, nunca foi visto a pagar fosse o que fosse com a sua própria carteira. Um homem de sucesso portanto! Mas esse é um porreiraço e agente a gajos porreiros tudo perdoa!

O professor Cavaco Silva, não sendo político, como tanto gosta de sublinhar, (afinal o tipo é o quê? Ninguém sabe!) também não usa carteira desde o dia em que foi fazer aquela famosa rodagem do carro à Figueira da Foz em 1985 e o obrigaram a tomar conta do partido. Também nunca mais comprou carro, meteu gasolina, pagou portagens ou outras dessas merdas que gajos sem estilo como eu têm que pagar todos os dias. Agora, há quem afirme que vive em estado de hibernação lá para os lados de Belém. Acredita-se que envia de tempos a tempos uns sinais de fumo através do facebook! Mas nós perdoamos, o gajo tem cara de sério! E a gajos com cara de sério nós perdoamos tudo!

Outro homem de sucesso é o maestro Miguel Graça Moura, agora acusado injustamente pelo Ministério Público de se ter apropriado indevidamente de 720 mil euros de dinheiros públicos para fins pessoais quando estava à frente da Orquestra Metropolitana de Lisboa. É acusado, entre outros factos, imagine-se, de ter gasto 720 mil euros de dinheiros públicos em artigos de lingerie masculina e feminina, em compras em supermercado, vinhos, charutos, joias, viagens e obras de arte. O homem é um bon vivant claro está. Os vinhos e os charutos são coisas banais, agora aquela coisa da lingerie, porra, é de estilo. Até aposto que comprou também viagra, algemas e chicotes e uma bisnaga de vaselina com o nosso triste dinheiro! É de artista! Mas os artistas são excêntricos, nós achamos graça e aos artistas tudo perdoamos!

Ao Dr. Jardim, outro que nunca usou carteira, nós também perdoamos tudo. O homem é um fanfarrão, um bem-disposto, um sedutor. A agente a esse tipo até paga de bom grado os charutos, umas caixas de o whisky, viagra, quecas, até aos os ajudantes para o carregar para cima da puta. Da puta que o pariu, que ele é um querido!

O Relvas é outro exemplo de político bem-sucedido. Mas é um esforçado, um lutador! Inscreveu-se pela primeira vez no ensino superior em 1984, no curso de Direito da Universidade Livre, uma instituição privada. Foi sempre um trabalhador, um trabalhador-estudante. Em 1985 concluiu, após frequência escrita e prova oral, a disciplina de Ciência Política e Direito Constitucional, com a classificação de 10 valores. Esse feito lançou-o para a vida!

Em Setembro desse ano pediu transferência para o curso de História, ainda na Universidade Livre. Matriculou-se em sete disciplinas, mas não fez nenhuma. Deputado à Assembleia da República, entre 1985 e 2009, presidente da Assembleia Municipal de Tomar, entre 1997 e 2012. O resto da história já vocês sabem!

Nunca foi visto a pagar nada do seu bolso. Até a conta do telemóvel,  cerca de 400€ mês, foi paga até 2012 pela Assembleia Municipal de Tomar. Hoje é paga pelo estado central claro está! Recebe ainda subsídio de deslocação por supostamente viver em Tomar e trabalhar em Lisboa. Actualmente está merecidamente reformado. Mas continua a trabalhar. É um exemplo para os nossos filhos!

Mas nem todos os países tratam assim pomposamente os sacrificados representantes dos órgãos do estado. A Austrália por exemplo tem cinco vezes mais população e apenas metade dos deputados. São democracias mais fracas claro está!

Na Suécia, os deputados não têm privilégios ou mordomias especiais. Os seus cargos são vistos como uma missão pública. Se quiserem viver no centro de Estocolmo, por exemplo, vivem em pequenos apartamentos, não têm empregados ou motoristas e chegam até a partilhar a cozinha. Os deputados ingleses, esses palermas, usam transportes públicos e pagam tudo do seu próprio bolso, excepto viagens em serviço. Mas claro, a Inglaterra é um país sem a nossa cultura democrática!

Em Portugal não! Se um secretário de estado for a uma vila inaugurar uma  rotunda, aparecem lá seis carros topo de gama, doze motoristas e cada carro transporta ainda mais quatro gajos de óculos escuros, bem vestidos e ar de lambe botas. Todos sem carteira!

Também é verdade que os nossos políticos jamais poderiam descolar-se em transporte públicos. Somos os campeões europeus em rede de auto-estradas, com uma média de 176m de auto-estrada por mil habitantes, mas não temos um Plano Ferroviário Nacional. A rede ferroviária não tem merecido um tal estatuto, tendo inclusive fechado massivamente linhas históricas em Portugal, como o ramal da Lousã, por exemplo, muitas delas para além da mais valia para as populações locais, eram verdadeiros ex-líbris em termos turísticos.

Mas isso é um pormenor comparado com a imponencia do projecto do TGV!!! Um gajo ia de TGV até ao porto e depois viajava de burro pelas aldeias remotas do alto douro. Pena terem acabado com esse magestoso projecto! Mas isso é outro assunto!

Um gajo anda aqui só a ver passar os comboios. A primeira coisa que eu faço logo que me levanto é enfiar a carteira no bolso, não vá precisar dela no caminho até à casa de banho. Já outros, precisam dela até para se deitar e ter uma noite agradável. Enfim, estatutos!

São milhares as figuras que não usam carteira em Portugal, entre deputados, membros do governo, assessores, secretários, motoristas, entre outros oportunistas. Só o nosso primeiro ministro tem dez motoristas em permanencia ao seu exclusivo serviço!

Agora vocês dizem-me: - Sim, é verdade, mas não é por aqui que o país se afunda. Ao que eu repondo: - Não só, mas também é por aqui.
- Mas um país que pede tamanho sacrifício aos seus concidadãos tem o dever moral de começar a cortar por cima, pelo número de deputados, ministros, secretários de estado, assessores, motoristas, secretários, privilégios e mordomias ilegítimas. É simbólico? É, mas uma democracia também se faz de coisas simbólicas!

Por isso neste natal, simbolicamente, vamos oferecer uma carteira ou porta-moedas a cada um dos nossos governantes!
 

1 comentário:

Diana Margarida Roque disse...

As nossas raízes colonialistas podem bem ser uma justificação congruente para este tipo de atitude política típica de República das Bananas. Só não compreendo qual é a razão que leva o Zé Povinho a não se revoltar com este fado, quando o "Zé" é tão mais apto e capaz que o pseudo poder institucionalizado, sendo afinal a substância que permite que a carteira dos ditos poderosos não se esvazie nunca.
Se calhar deveria começar a quebrar regras ....
Parabéns pela crónica :)