segunda-feira, 13 de novembro de 2017

A Invasão do Profano

Conheceram-se na faculdade de direito. Durante cinco belos anos namoraram, partilharam boémias, dividiram irresponsabilidades, gastaram mesadas, beberam e foram felizes. Muito felizes. Juraram união e amor para sempre. Acabaram os cursos, montaram escritório conjunto, viajaram, compraram casa e bons carros e viveram felizes. Durante seis meses! Período ao fim do qual decretaram incompatibilidades inultrapassáveis. Divorciaram-se sem apelo!

Este poderia ser um bom exemplo daquilo a Zygmunt Bauman, sociólogo polaco que nasceu em 1925, denominou de liquidificação dos tempos, nas obras “society Liquid”, “Liquid Modernity” e “Liquid Love.

Terá sido o capitalismo a determinar este aceleramento dos tempos e do "passo social" ao impor a influência ou predomínio económico ou político do capital. De facto o capitalismo criou novos objectos e as pessoas criaram novas necessidades para os adquirir. Criou mais novas necessidades e mais objectos para as satisfazer e criou sobretudo a ideia de que quanto mais se trabalhasse a mais objectos se poderia aceder. A quantos mais objectos se acedesse maior conforto e felicidade se alcançavam e mais objectos se poderiam ter. Através desta perigosa crença, o capitalismo procedeu a uma reconfiguração social e económica das sociedades. Reconfigurou as relações.

Zygmunt Bauman, traz esta pespectiva de liquidez como a marca de água dos nossos tempos, conceito, que segundo ele, se pode aplicar transversalmente às novas manifestações dos sentimentos, ao consumismo, à globalização e que implica o desmoronamento das ideologias, dos valores e dos princípios.

De facto hoje assistimos ao predomínio e ao triunfo da pulsão e do gozo, sobre os ideais. Acabou-se o tempo de espera – tudo tem que ser para agora. Instantâneo! E se o não for gera frustração, à qual respondemos com intolerância. Perdeu-se o registo do simbólico, da fantasia e do sonho. Vive-se no registo do concreto – eu quero, logo tenho!

A procura do gozo e da satisfação é constante. Insaciável! Se os animais irracionais têm uma programação genética prévia e se guiam por instintos inscritos no seu ADN que tendem a asseguraram a sua sobrevivência, nós vivemos ao sabor do impulso e do gozo, fugindo sempre que podemos à dor emocional e à frustração, que deveriam ser justamente o motor do crescimento. É que sem dor e sem tolerância à frustração não há crescimento interno!

Nesta procura acelerada e desesperada, nesta pulsão constante nada se cria de verdadeiramente novo, pelo contrário, é na repetição que se procura o gozo – no sexo, no jogo, nas compras, nas relações superficiais, inconstantes e promiscuas, nos consumos de álcool e de outras drogas. Tudo se torna efémero, superficial e descartável.

Verificou-se um declínio dos valores e dos princípios, da ética e da moral. Os papéis sociais e as relações perderam solidez. Destruturaram-se as famílias. Eclodiram novos modelos familiares – monoparentais, homossexuais, perdeu-se a concepção de família com contexto relacional por excelência. Diluiu-se a autoridade da figura paternal. Esbateu-se a norma e a lei. Inverteram-se papeis - Os filhos mandam nos pais. Os alunos desesperam os professores! Perdeu-se o conceito de autoridade. Tudo flui, tudo se liquidifica!

A ideia de uma sociedade líquida ganhou assim o poder e configurou a nossa época. Assistimos ao triunfo da fluidez, do precário, do transitório, do permeável e do que não se deixa apreender, onde os laços são tendencialmente momentâneos, frágeis e volúveis. As relações misturam-se e condensam-se num mundo cada vez mais dinâmico, fluído e veloz. Tudo se torna flexível!

Esta é a condição da sociedade em que vivemos em todas as suas dimensões, tanto estruturais como super-estruturais, tanto no plano material e económico, como no plano da vida afectiva e intelectual. Assistimos ao triunfo das relações virtuais, à ditadura dos iPhones, Smartfones, tablets, notebooks. Tudo vale para nos impedir de estarmos sós. Tudo serve para disfarçar o medo – o medo desta imensa solidão! O nosso medo!

A mercantilização do Panteão Nacional, o florescimento dos políticos e das politicas populistas ou a eleição do senhor Trump, poderiam ser apontados como outros exemplos daquilo a que Bauman designou por liquidação dos valores, dos símbolos, da ética e da moral.

Contrapõe-se assim, ao  recuo do simbólico, dos valores, dos ideais e das nossas crenças, a ofensiva do profano! A profanação da nossa Era!

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