sábado, 12 de maio de 2012

E Abril aqui tão perto...


Um português genuíno, além de coçar os tomates enquanto fala, cuspir no chão e deitar lixo pela janela do carro, tem ainda a particularidade de ser altamente sensível a três palavras, a saber: sexo, saldos e grátis. Cada uma destas palavras, ouvidas isoladamente ou agrupadas, entram por um gajo acima como foguetes, aceleram rumo à zona pré-história do cérebro e estampam-se contra os neurónios, despoletando uma explosão de irracionalidade, perdão de serotonina. Assim sendo, um gajo transforma-se num cavalo selvagem capaz de derrubar tudo o que nos apareça pela frente.
Foi assim no último 1º de Maio! Mal se ouviu falar na promoção de 50% do Pingo Doce, o mais pacífico dos mortais transformou-se rapidamente num híbrido metade homo sapiens metade australopiteco. E assim, qual guerreiro, selvagem, se apresentou na porta das lojas Pingo Doce pronto para o ataque.

Não admira pois que muitos tenham de lá saído com os queixos partidos pelo vizinho do bairro ou até mesmo do prédio. É compreensível. Lá porque até vivemos no mesmo bairro, jogamos cartas juntos e desabamos as injustiças da vida não significa que de vez enquando não se tenha de mostrar quem manda, principalmente quando nos tentam sacaniar com a última garrafa de whisky da prateleira! 
Os sindicatos coitados também ficaram a arder! Essa poderosa indústria sindical portuguesa dificilmente poderia imaginar um dia mais negro na sua história. A força mobilizadora dos sindicatos e dos trabalhadores, que no contexto actual tem sido quase nula, confrontou-se neste 1º de Maio com uma triste correria, não em direcção à luta, mas em direcção aos Pingo doce. O pior é que o pessoal depois de sair do Pingo Doce ficou em casa a comtemplar as pichinchas e cagou-se nas manifestaçõse do 1º de Maio!

Porra, logo num dia simbólico da luta dos trabalhadores, dia para celebrar as conquistas que os trabalhadores do mundo conseguiram após a industrialização, designadamente a jornada semanal das 40 horas de trabalho entre outros direitos e, transforma-se esta merda num espectáculo de consumismo, paradigma maior do capitalismo. É triste!
Para o ano apenas resta uma hipótese aos sindicatos, promover uma campanha que contenha as palavras sexo ou grátis. As duas juntas seria o ideal, que isto de lutar pelos nossos direitos poderia ser um pouco mais atractivo!

O capitalismo desregulado, esse ficou todo contente. Afinal percebeu que tem uma força tal que em dois sopros pulveriza os valores, as ideias e a réstia de romantismo Abrileiro que ainda habita em alguns de nós.

A crise também sorriu, entre outras coisas, esfrega as mãos por continuar a poder retirar direitos adquiridos e baixar os custos do trabalho em função de um capitalismo ávido de manter os seus níveis de lucro, independentemente do tempo que corre.

O grupo Jerónimo Martins, esse samaritano de Janeiro a Janeiro, também ficou contente. Afinal facturou 27 milhões e quem paga a promoção são os pobres dos produtores.
O que o grupo Jerónimo Martins nos comunicou neste último 1º de Maio foi que é omnipotente e poderoso face à insignificante força de um povo cada vez mais a pensar na barriga e menos nos ideais.
Omnipotente e poderoso face aos seus desprotegidos funcionários, a quem obriga a trabalhar. Omnipotente e poderoso face aos seus fornecedores, a quem obriga, sob coação, a suportar os custos de uma promoção decidida unilateralmente, numa cadeia comercial onde o grupo arrecada, em média, 50% do lucro sobre os produtos vendidos.

Omnipotente e poderoso porque protegido pelo um poder político fraco e promíscuo, incapaz de regular, impor limites ou proteger os valores essenciais de um país. Omnipotente e poderoso porque capaz de por à vista o pior de cada um de nós.

A campanha do Pingo doce é imoral pelo dia escolhido, demonstra por um lado o enorme poder de fogo deste capitalismo vigente e por outro que um povo amedrontado, com direitos e salários reduzidos, em risco de perder o emprego e em muitos casos no limiar da fome, torna-se acéfalo e abre mão facilmente dos seus valores, submetendo-se mansamente ao poder dos mais fortes.

O Pingo doce roubou o 1.º de Maio aos trabalhadores, aos sindicatos e à esquerda.

No dia do trabalhador em vez de, como é tradição, os telejornais abrirem com reportagens sobre a luta pelos direitos dos trabalhadores, abriram com estes a lutar pelo último pacote de donut´s na prateleira de um supermercado. Simbólico.
Prende-se ou mata-se o senhor Alexandre Soares? Não! Ele apenas navega nas águas calmas e com os ventos de feição deste capitalismo que os estados teimam em não regular!
Até quando?



3 comentários:

Diana Margarida Roque disse...

1º de Maio e Pingo doce... Consumismo? Ou o desespero de um povo faminto? Certamente, que os portugueses tipificados neste artigo mais do que consumistas são sobreviventes e por isso mesmo, o idealismo não transparece e morre a simbologia do 1º de Maio, porque a necessidade faz urgir o pragmatismo! As forças instintivas sobrepõem-se ao saber estar e ser, os orçamentos familiares são limitados e as oportunidades não se podem perder!
Concordaria, com a analogia ao fenómeno consumismo se fosse um fenómeno tipo Harrods em Londres que apela à voracidade consumista de bens não essenciais. Mas o Pingo Doce vende bens que matam a fome e não as vaidades humanas.
A discussão sobre a politica capitalista, a sua acção e função é irrisória, tanto histórica , como socialmente no momento presente, quando o fócus deve ser tonificado na humanização da sociedade com o intuito de educar para saber ser, estar e sentir o particular e o todo.
Somente uma sociedade deficiente no seu nível educacional gera este tipo de reacção em fenómenos propícios a atitudes ansiosas, tal como exemplificado nos caos ocorridos no Haiti, Venezuela, etc, aquando de catástrofes naturais. Mas, analisemos o caso do Japão aquando da fuga nuclear em Fukushima! Qual a diferença? A distinção reside na educação do povo, preparado para agir no limite do desespero sem perder a sua dignidade humana. E posso falar na primeira pessoa pois estive no Japão 3 meses depois da catástrofe e regressei com uma nova visão do que o ser-se humano no sentido mais elevado significa. A ordem social mais que imposta deve ser sentida por cada um como um dever e um direito, só a partir desse momento poderemos aspirar à dignidade social global.
O 1º de Maio... Abril aqui tão perto! Que simbologia? Direitos adquiridos? E os deveres? Afinal a liberdade conquistada é devidamente usada ou não? Políticos, sindicatos? Que diferença? Organizações humanas que defendem interesses próprios mais que os interesses daqueles que deveriam apoiar e proteger. E mesmo sendo portugueses, uns mais conscientes outros primitivamente seguidores das massas, tais carneiros de uma manada sem rumo, muitos de nós sabemos que o problema desta sociedade e das demais é a falta de sentido no rumo da Humanidade. E isto não é meramente um problema actual, é algo que sempre acompanhou o ser humano ao longo da sua existência.
É utópico arranjar uma solução comum, seria aprisionar as diferenças na forma de ser estar. Mas é a utopia que nos faz continuar a caminhar em rumo ao futuro.
O ideal será tentar fazer a diferença e mais que criticar, saber ser e estar, dar o exemplo.
Afinal, não é isso que devemos fazer na família e não é esta a célula unidade da sociedade. Conforto e desconfortot? Qual o limite em casa ou na vivência social?

P.S. Contudo, Parabéns pelo artigo faz-nos pensar e é pensando que poderemos sentir que caminho desejamos seguir:)

Alberto Almeida disse...

O consumismo, definido a partir do episódio Pingo Doce, que vende como bem diz essencialmente bens de primeiríssima necessidade, não é seguramente o melhor exemplo.
O artigo é simplista, força até alguns conceitos e pretende ter um cariz marcadamente caricatural ou até cínico, sem grandes pretensões. Não é sequer uma análise! Pretende no máximo levantar apenas uma serie de questões para discussão.
Já o seu comentário revela uma análise bem mais equilibrada e levanta questões tão decisivas como a “educação de um povo”. E revela sobretudo como tão bem pensa e escreve! Obrigado Diana pelo interesse.

Diana Margarida Roque disse...

Considero que neste artigo nos presenteou uma vez mais com um episódio de humor irónico e inteligente que tal como em artigos anteriores nos sugere(m), habilmente, uma reflexão mais atenta sobre vários itens.
Também, aprecio a peculiaridade do seu estilo de escrita que aborda uma imensidão de contextos, tão díspares nas suas temáticas, e tão semelhantes no interesse que inspiram!