domingo, 3 de maio de 2020

Vinhas das Penicas - vinhedos antigos


 

Nasci no seio de uma família ligada à agricultura de subsistência numa pequena aldeia rural no concelho de Coimbra. Participei desde muito cedo nas rotinas quotidianas dos trabalhos agrícolas familiares – ora na rega ou sacha do milho e feijão com o meu pai, ora acompanhando a minha mãe na “moitas” dos arrozais do baixo mondego, ora guiando a junta de bois do meu tio Xico – prestador de serviços de lavoura para fora, que me assalariava com um magistral bacalhau assado na brasa com alho e azeite escorrido pelos queixos abaixo ou uns “cricos” à Bolhão Pato trazidos da praia da Figueira da Foz pelo peixeiro Neves, com os quais subornava a parelha de soldados da GNR que percorriam as aldeias nas sua bicicletas pasteleiras.

Na época das vindimas acompanhava os ranchos de mulheres e homens, guiando a junta de bois amarelos no transporte das dornas cheias de uvas para a adega. Sem dar conta, fiz-me gente numa relação umbilical com a terra, com as suas gentes e com as práticas ancestrais da agricultura de subsistência.

Jamais pude imaginar o quanto esta “simplicidade”, este cheiro a terra acabada de remexer, esta dura e mágica vida dos campos marcaria o meu ADN.

Já na casa dos 30 anos, fascinado entretanto pelo admirável mundo dos vinhos e acometido pelo ímpeto notálgico de regresso às memórias de infância, resolvi - voltar à lavoura, mas desta vez para dar expressão à minha mais recente paixão. Fiz o meu primeiro vinho a partir de uvas de uma vinha muita velha plantada em solos graníticos maioritariamente com a casta Touriga Nacional. Estava consumado essa fatalidade do destino!

Defensor de uma vitivinicultura sustentável, que respeita a terra, as vinhas, as pessoas e as tradições e apaixonado pelo conceito de vinhos de intervenção mínima, iniciei na sub-região Terras de Sicó um trabalho de recuperação de vinhas velhas e ensaios de vinificação que decorrem durante as últimas 14 vindimas, nas quais experimentei diferentes abordagens de vinificação com as castas autóctones de vinhas velhas.

Este trabalho experimental, apelidado por muitos de louco, por apostar em vinhas em declínio que pouco produziam, leva-me em 2017 à criação do projeto Vinha das Penicas – Vinhedos Antigos, com o objetivo de criar vinhos de autor, vinhos com intervenção mínima, de produções muito limitadas, a partir dos pouco mais de dois hectares de vinhas muito velhas que fui encontrando, nalguns casos já votadas ao abandono, mas que eu acreditava puderem dar origem a vinhos diferentes e de excepcional qualidade.

Estas vinhas, de quatro parcelas distintas, situam-se na freguesia de Lamas, no concelho de Miranda do Corvo e na freguesia de Vila Seca e Venda da Fé, no concelho de Condeixa e têm idades situadas entre os 50 e os 100 anos.

 A região conserva um património impar de vinhedos antigos, plantados em solos de maioritariamente de origem argilo-calcárea de diferentes nuances, mas também encontramos solos com afloramentos de xisto. Nestas vinhas, já com muitas falhas fruto da avançada idade das cepas, encontramos plantadas mais de uma dezena de castas autóctones, predominando a casta baga nas uvas tintas e a casta fernão pires e bical nas uvas brancas.

Para além destas castas, largamente dominantes, é possível identificar outras castas como sejam, nas tintas, a casta bastardo, a rufete, a trincadeira da bairrada e a casta grand noir, trazida para a região por trabalhadores franceses aquando da construção do ramal ferroviário da Lousã. Nas castas brancas podemos encontrar a borrado das moscas (bical), cerceal da bairrada, dona branca, diagalves e rabo de ovelha.

Para colmatar as cepas em falta nestas quatro parcelas plantei “bacelos bravos” que têm vindo a ser enxertados com “garfos” das castas autóctones lá plantadas, garantindo assim a restruturação das vinhas com o material genético original, mantendo intacto o AND de cada uma das parcelas.

A região apresenta um clima temperado mediterrânico caracterizado por invernos frios e húmidos e verões quentes e secos, registando-se frequentemente a ocorrência de nevoeiros matinais que se mantêm até cerca das 11 horas da manhã, permitindo maturações equilibradas e a obtenção de vinhos tintos elegantes e brancos com grande frescura.
Desde vinhos falarei mais à frente.