domingo, 29 de novembro de 2015

A bairrada está na moda. Se não está parece!

O espumante Bairrada fez anos! 125 Outonos! A primeira empresa vinícola produtora de espumantes, denominada - Associação Vinícola da Bairrada nasce a três de Novembro de 1893. Esta empresa, intimamente ligada à Escola de Viticultura e Pomologia da Bairrada, dirigida então pelo engenheiro agrónomo José Maria Tavares da Silva, é constituída por quatro sócios – o conselheiro José Luciano de Castro (Presidente do Conselho de Ministros em vários períodos da Monarquia Constitucional e líder do Partido Progressista), o comerciante abastado Justino de Sampaio Alegre, o jurista José Paulo Monteiro Cancela e o padre António Alves de Mariz, que desde o início assumiu a gerência da Associação. Um inÍcio abençoado é de ver!

Tratava-se de quatro amantes de champanhe que quiseram replicar em solo bairradino o famoso vinho francês. Para isso mandaram vir de frança o equipamento necessário e sobretudo o know-how, na pessoa do técnico francês M. Lucien Beysecke, por assim dizer o primeiro enólogo estrangeiro a trabalhar em solo nacional.  

Entre o ano de 1893 e a primeira metade do seculo XX nasceram na bairrada mais de três dezenas de empresas vinícolas de relevo que se dedicaram entre outros vinhos, à preparação de espumantes. A maioria destas empresas foi criada por comerciantes abastados, alguns regressados do brasil, homens viajados pelo mundo, de grande espirito empreendedor, habituados a celebrar com champanhe, que acreditavam que o espumante bairradino era um produto com elevado potencial económico e financeiro. Estas empresas estiveram na origem das maiores empresas bairradinas da actualidade, como as Caves do Solar de São Domingos, Caves Messias, Caves Borlido, Caves Monte Crasto, Caves Primavera, Caves S. João, Caves Aliança, entre outras. Eram tempos de grande dinamismo, à custa de homens visionários que lançaram as primeiras pedras de uma história que poderiam ter sido bem mais risonha.

Na verdade, a produção de espumante na bairrada cedo resvala para caminhos tortuosos. Se no início a ideia era fazer vinhos de grande qualidade capazes de rivalizar com os famosos néctares franceses, a verdade é que com a chegada de novos operadores depressa a produção de espumantes deixa de ser  direcionada para a excelência, para se tornar um subproduto da actividade vinícola. Muitas empresas apostam sobretudo na produção de vinhos tranquilos, reservando para a espumantização vinhos de menor qualidade ou até elaboram espumantes a partir de vinhos comprados fora da região, sem denominação de origem.
Desta forma o espumantes bairradino não percorreu o caminho antes idealizado, não se constituiu como um produto distinto e sobretudo não criou valor. Prova disso é o facto do preço médio de cada garrafa de espumante bairradino exportada se situar nos 2.90 euros, enquanto o preço médio de uma garrafa de champanhe se situa perto dos 17 euros.
Mas as coisas estão a mudar e muita coisa boa se tem feito nos últimos anos. Agora que os consumidores se cansaram dos vinhos politicamente correctos, educadinhos e normalizadinhos, a Bairrada parece ter caído no goto dos críticos. A bairrada está na moda. Se não está parece!
Para aproveitar esta onda, a Comissão Vitivinícola da Bairrada criou o projeto Baga Bairrada, uma iniciativa aberta a todos os produtores da Região, que pretende estabelecer um standard colectivo para o espumante "Baga Bairrada", um produto distinto, com regras de produção e identidade gráfica próprias.
Assegura um estilo que possa diferenciar os espumantes brancos de uvas tintas no mercado interno e também perspectivar a sua afirmação no mercado internacional, onde o espumante português por vezes tem dificuldades em afirmar as suas especificidades. O objetivo deste projecto passa, assim, pela promoção e divulgação, a nível regional, nacional e internacional, do valor natural e patrimonial da casta Baga, típica da região da Bairrada.
Refira-se contudo, a título de curiosidade e de soberana ironia, que o primeiro espumante branco feita com uvas da casta baga apresentado na camara de provadores da bairrada foi  chumbado por o seu perfil não se enquadrar naquilo que se definia ser o perfil bairrada de então. Foi há 25anos. Ainda recentemente um dos grandes brancos da bairrada foi também chumbado pela camara pelo mesmo motivo. Para muitos a camara de provadores ao invés de ajudar promover a região, é apontada como um factor de estagnação.

A Comissão Vitivinícola da Bairrada assinalou a efeméride no passado dia 27 de Novembro com um dia de debate acerca dos desafios do espumante bairrada e da casta baga. A discussão versou aspectos técnicos na vinificação da casta, mas sobretudo as opções estratégicas para levar o espumante baga ao mundo. Uma bela iniciativa com uma organização absolutamente irrepreensível! À hora do almoço foi servido um excelente leitão com batata cozida e uma seleção dos melhores espumantes bairradinos. A bairrada, a casta baga e os seus espumantes estão definitivamente nas bocas do mundo!  


quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Gente que se recusa a morrer


 
Aquilo é tudo malta na casa dos setenta e tal. Gente que trabalhou uma vida inteira sem saber o que são férias, praias, hotéis ou outras mordomias. Gente que vingou sem favores, favorecimentos ou recompensas. Gente feliz com lágrimas que aprendeu na velha trilogia – Deus, pátria e família a não se queixar. Gente simples, humilde, que aprendeu a não dar passos maiores que a pernas, que construí a vida aos poucos, sempre no pouco, sem concessões, vertigens consumistas, empréstimos bancários ou outras invenções do capitalismo.
Gente que não comprou hoje para pagar amanhã. Gente que cresceu e constituiu família num quarto equipado com um estrado de madeira e um colchão de palha, um penico, um fogão e um WC arejado no cimo de uma meda de estrume, no meio do quintal.

Mas avisam logo – estamos aqui para vindimar, não contem connosco para carregar com os poceiros. É que estamos velhos!
 
O Arnaldo, quase nos oitenta, puxa dos galões do mais idoso do grupo e avança – Sabem? Trabalho na agricultura desde os onze anos. Por isso, quem quiser trabalhar que trabalhe, que eu agora só trabalho até ao meio-dia.
O Arnaldo, o meu pai o Zé Fonseca e o meu tio Zé Elísio, todos juntos somam mais de 300 anos de idade! É Obra! Andam todos de pé, mas o material acusa desgaste. Não há vértebra ou articulação que não estejam comprometidas. Comprometidas mas não ao ponto de lhes vergar o ânimo, que eles foram, no bom sentido, enxertados em corno de cabra e comeram o pão que o diabo amassou! Esta gente transporta o testemunho dos tempos. Um legado!
Depois havia o grupo dos quase cinquentões, constituído por mim, pelo Manelote e pelo Peralta, todos nascidos na transição do tempo em que uma sardinhas assada dava para dois e as papas Cerelac! Nem sei bem ao certo a que é que comíamos! Somos um pouco híbridos!
Em comum temos também um certo declínio físico! Fortes dores de costas e outros sinais de cedência físico e/ou mental. Já não somos propriamente aqueles rapazotes capazes de saltar como as cabras do monte, embora o substantivo cabras nos seja bastante familiar. Mas é uma pena, éramos todos tão novos e saudáveis! O que nos vale é que à medida que vamos envelhecendo fisicamente, vamos também perdendo o discernimento!
Iniciamos a vindima na Vinha das Penicas às 8h30 e terminámos por volta do meio-dia e meia. Pelo meio uma retemperante bucha com sardinhas, queijo, presunto, asas de frango fritas e pão, regadas por minis e vinhos tintos e espumantes da mesma vinha. Foi a única actividade em que nos portamos como rapazes novos!
A verdade é que ter dores físicas é um grande privilégio - Estamos vivos e a fazer coisas que gostamos. Noutros tempos ninguém chegava à nossa idade. Morriam todos cedo. Aquilo era uma pressa. Desde a pré-historia até à idade moderna, morrer na casa dos trinta e poucos era uma moda. Os gajos não se queixavam de nada, morriam com a coluna nova em folha e as costelas intactas, não tinham diabetes, que as pastelarias eram raras, nem obesidade ou colesterol que aquele pessoal era danado para correr! Alzheimer e Parkissonismo nem sabiam o que aquilo era. Raramente se via um careca na rua e não havia um único lar de terceira idade. Aquele pessoal quando morria era de vez!

Mas nós não somos uns insatisfeitos. Deram-nos anos de vida e nós queremos mais. Dão-nos um dedo e queremos logo o braço todo. Queremos andar por ai até aos cem sem dores, sem rugas e cheios de tesão e sobretudo felizes todos os dias, como se a tristeza não fizesse parte e não fosse essencial à condição humana. Para isso besuntamo-nos diariamente com cremes caros, tomamos elixires mágicos a toda a hora e, se necessário, tomamos até uns certos aditivos!
Convivemos mal com o envelhecimento e sobretudo com a morte. Cada vez mais somos tentados a prolongar a vida, distanciando-nos da morte, não pensando nela ou procurando escondê-la.
 
Com o acentuar do laicismo, afirma-se cada vez mais que após a morte nada há mais, o que modifica o comportamento humano e incentiva cada vez mais a viver a vida, a gozar os prazeres dos sentidos corporais. Escondemos a morte das nossas vistas em lares e hospitais e os corpos, esses, ultima prova do nosso declínio, são queimados em crematórios longe da vista!

Na Idade Média a morte era um acontecimento público. Ao pressenti-la, o moribundo recolhia ao seu quarto, acompanhado por parentes, amigos e vizinhos, cumpria um ritual - pedia perdão por suas culpas, legava seus bens e esperava a morte chegar. Não havia um carácter dramático ou gestos de emoção excessivos. O corpo era enterrado nos pátios das igrejas – que também eram palco de festas populares e feiras. Mortos e vivos coexistiam no mesmo espaço. A partir do séc. XIII foram proibidos jogos, danças e feiras nos cemitérios: começava a soar incómoda a proximidade entre mortos e vivos.
Hoje, exceptuando os vivos que não foram avisados da sua morte, o único sítio onde mortos e vivos coabitam pacificamente é nos cadernos eleitorais. Ainda nas últimas eleições um indivíduo vivo e cheio de saúde foi impedido de exercer o seu direito de voto por estar morto e outros, supostamente vivos, não compareceram nas urnas por estarem mortos. Um confusão, que só tem paralelo nos cadernos de registo de sócios dos clubes de futebol!  Enfim, somos uns felizardos por sermos, estarmos e parecermos vivos!
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 




quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Orgia

Acordei molhado, corpo fumegante, envolto em fluidos quentes e húmidos que deixavam adivinhar o deboche, a conduta devassa. Emanava no ar uma complexa dança de aromas - uma mistura estranha de odores a pão quente, citrinos, frutas tropicais e um cheiro fétido a peixe. Eram sacos por todo o lado!
Ali prostrado contra aquele mar de materiais orgânicos poliméricos sintéticos, de constituição macromolecular, com os olhos fixos no tecto, saciado, tentava voltar a mim e recuperar da respiração ofegante depois daquela overdose de polietileno de baixa densidade.
Eram sacos de todos os formatos e feitios, opacos, transparentes, coloridos, finos e espessos, de linha branca e personalizados. Do Lidl, do Continente, do Jumbo, do Pingo Doce, da Loja dos Chineses, da mercearia do lado, do Minipreço, ai a sensualidade dos do Minipreço! No sonho, a cama eram um mar de sacos de plástico que a transformavam numa nuvem leve e sensual, qual colchão de água. Rebolei-me ali, com os sacos apertados contra o peito, até que um sentimento de saciação orgástica tomou conta de mim. Finalmente acordado, confirmava a crua e cruel realidade – o coirão do governo acabou com os sacos de plástico. Estou viciado em sacos de plástico. Dependente!
Com tanta merda para taxar, estes animais foram logo lembrar-me de taxar os tristes dos sacos de plástico. As malas de viagem dos pobres! Assim sem avisar! Em Portugal é assim, somos maníaco-depressivos, ou não fazemos nada ou fazemos tudo à pressa, em cima do joelho, tipo vender o novo banco e a tap por tuta e meia. Há em nós uma espécie de atração pelos polos. Nos bons e maus momentos adoptamos posições que deambulam entre os oito e os oitenta. E pior, passamos de uma posição para a outra num abrir e fechar de olhos! Ou acabamos tudo de uma hora para a outra ou perpetuamos ad aeternum outras, como os previliégios dos juizes por exemplo, que garantem privilégios do tempo do império romano.
Mas acabar desta forma com os sacos é demais! Um gajo ia ao supermercado comprava oito produtos que punha em dezoito sacos e ainda enchia outro saco com mais quarenta sacos para qualquer eventualidade, que os portugueses são prevenidos. Os sacos davam cá um jeito para apanhar o cocó do cão ou para usar na cabeça em dias de chuva ou até para dar uma queca no mato ou quiçá em substituição do preservativo.
Mas porque é que o governo não se lembra de taxar as nomeações políticas e a ascensão nas carreiras dos políticos? Por exemplo a carreira do Armando Vara renderia montes de papel. Se atentarmos no percurso do outrora caixa de banco, provinciano, pobretana e mais recentemente doutor, administrador e multimilionário era só faturar! Aquilo é que foi saltitar! Era vê-lo de cargo em cargo até se fixar nos calabouços da Policia Judiciária. Se houvesse mais cargos superiores e melhor remunerados, mais o animal teria subido! Mas não confundamos este Vara com outra vara, um conjunto de porcos, para não ofender os ditos. Já repararam o dinheiro que este homem tinha rendido aos cofres do estado se fossem tributadas as suas nomeações políticas?
A extinção dos sacos de plástico dos supermercados era pois evitada assim desta forma abrupta. Poderia ter havido um período de transição, tipo primeiro acabavam os do Lidl, que são alemães, depois os do continente e assim sucessivamente até 2165! Mas não. Foi tudo à bruta! Não acontecia uma extinção em massa tão dramática desde a extinção dos dinossauros! Agora um individuo anda aqui a ressacar sacos de plástico. Quer um simples saco, corre a casa toda e nada. É uma dor de cabeça. Antigamente tínhamos até umas caixas de plástico próprias compradas nos chineses para os arrumar. Aquilo era super divertido, agente puxava e saía um saco surpresa! Eram sacos por todo o lado, nas portas laterais dos carros, nos bolsos, nas despensas, debaixo da cama.
Os ucranianos e outras criaturas de leste embelezavam as ruas das nossas vilas e  cidades vindos do Lidl com eles cheios de latas de feijão frade e atum. Agora não, as ruas estão tristes!
O saco de plástico tornou-se um objecto de culto só acessível às minorias intelectuais. Um dia, daqui a sessenta ou oitenta milhões de anos, tal como acontece com o dinossauros, a humanidade vai encontrar por essas serras uns plásticos fossilizados e expô-los-á em museus. Vão chegar excursões de pacóvios de todo o lado para contemplar tamanho achado.
O pior é o pessoal que anda ai a bater mal por falta de plástico. Há já casos de síndromes de abstinência, vulgo ressaca, com aumento generalizado da ansiedade, ataques de pânico, depressão e ideação suicida! Naturalmente que a venda de antidepressivos e ansiolíticos disparou.
Segundo as más-línguas isto foi tudo pensado estrategicamente pelo governo para sacar mais uns milhões em taxas moderadoras nos hospitais. Isto é que é visão estratégica. Os outros nem uns cartazes de campanha conseguem fazer! O pior é que já há quem sonhe com sacos de plástico.
 

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Ouro bebível

Os números não deixam dúvidas, a tendência de crescimento do consumo mundial de espumantes é cada vez mais evidente. Ao longo dos últimos dez anos, a procura cresceu 30%, para 17,6 milhões de hectolitros em 2013. Os principais produtores vigiam-se de perto, num subsector em mutação acelerada e cada vez mais competitivo.


A França continua a liderar o ranking mundial de produção, mas a sua importância relativa no cenário global está a diminuir e o primeiro lugar apresenta-se mesmo sob ameaça da Itália, já com 18% da produção mundial, enquanto a Alemanha vem a seguir com cerca de 15%. Rússia e Espanha repartem o quarto lugar.

Apesar dos quatro gigantes europeus do sector, França, Itália, Alemanha e França, serem ainda responsáveis por quase dois terços da produção mundial (63%), a verdade é que a sua importância diminuiu consideravelmente, representavam 74% em 2003, e há a registar verdadeiras explosões de produção em vários países no decorrer do último dez anos. Os EUA registaram um crescimento de 25%, a Austrália 29%, a Rússia duplicou a sua produção e a Argentina registou um acréscimo de 200% nesse intervalo de tempo. Números impressionantes, mas superados pelo campeão do crescimento, o Brasil, onde em 2013 se produziu 248% mais espumante do quem 2003.

Em Portugal, os espumantes ainda são maioritariamente de consumo episódico: nas festas de Natal e do Ano Novo, na Páscoa, nos casamentos, baptizados e aniversários. Mas existem indicadores seguros que anunciam um aumento importante dos selos de certificação e as lojas e garrafeiras reportam números cada vez mais robustos relativos à venda do vinho com bolhinhas.

Acredito que na base desde sucesso está sobretudo, a qualidade dos espumantes actuais. Longe vão os tempos em que só os vinhos inferiores, normalmente brancos e tintos inicialmente pensados para fazer vinhos maduros, se destinavam, por falta de qualidade, à produção dos espumantes. Hoje, só quem estiver muito desatento não terá percebido a notável transformação qualitativa dos espumantes nacionais ao longo dos últimos anos. Na base dessa revolução estão vários factores, relacionados com a vinha e com a adega. Castas enologicamente mais aptas para o fim em vista, como Arinto, Chardonnay e, cada vez mais, variedades tintas vinificadas em branco, como Pinot Noir ou Baga, a procura de uvas de zonas mais frescas ou colhidas mais cedo, a utilização de melhores prensas, leveduras adequadas, temperaturas mais baixas e estabilizadas nas fermentações e, acima de tudo, a consciência por parte dos produtores de que este é um produto nobre e adiciona mais valias importantes. Tudo isso contribuiu decisivamente para imagem muito positiva da actual qualidade dos espumantes portugueses.

Os espumantes adequam-se a qualquer hora do dia e a todas as circunstâncias da vida. O enorme leque de espumantes existentes no mercado, desde os brancos e rosés, passando pelos tintos e acabando nos brancos vinificados a partir de uvas tintas, sobretudo da baga e pinot noir, oferecem uma solução de harmonização gastronómica ajustada a qualquer prato, a qualquer companhia, a qualquer circunstância. Os espumantes podem acompanhar quase todas as refeições, das entradas à sobremesa. São um exemplo de polivalência, um vinho admirável sob os mais diversos pontos de vista.

Esta democratização do consumo de espumantes tem também revelado fenómenos curiosos. O primeiro deles é o aproveitamento por parte dos produtores da enorme aceitação e aptidão gastronómica dos espumantes brutos e naturais pelo mercado. São os brutos os mais procurados. Muitos produtores fazem o dois em um e apresentam os seus brutos com adições de açúcar no limite superior permitido por lei, fazendo assim brutos mais docinhos, capazes de agradar tanto a consumidores mais exigentes, como a públicos mais adeptos do coisas menos amargas e ácidas, como sejam os jovens consumidores e sobretudo o público feminino. O outro fenómeno prende-se com a explosão de marcas brancas nos supermercados a preços muito mais baixos, onde se nota nos vinhos uma maior intervenção enológica para correcção da esperada menor qualidade das uvas que deram origem a esse vinhos. Alguns desses vinhos parecem mais xaropes gaseificados que espumantes e estão muito longe da exigência que tem incrementado esta enorme transformação qualitativa dos espumantes nacionais.

Tchim, tchim!

sábado, 16 de maio de 2015

Os encaralhadores


 
 

























A arte do encaralhanço é um desporto nacional! É levada a cabo por encaralhadores profissionais. Estes profissionais do encaralhanço estão presentes em todo lado. Uns são nossos vizinhos, outros conhecidos, colegas de trabalho ou até nossos chefes. O seu objectivo é basicamente impedir que a coisa avance. São aqueles tipos ou tipas que nem fodem nem saem de cima! Nem lá vão nem deixam ir! Há-os em todo lado, sobretudo nas repartições públicas. Mas existe uma classe onde eles se encontram em abundância – na classe das chefias! São os casos mais graves!
 

A maioria dos portugueses alimenta um sonho secreto – o de um dia chegar a chefe de qualquer coisa! Chefes há-os de todos os géneros, uns são chefes de outros chefes, outros apenas de alguns trabalhadores, outros apenas chefes de si próprios, outros de merda nenhuma. Estes últimos são os que menos prejuízos dão à nação. Mas dizia eu, se um dia o tal gajo que sonha ser chefe conseguir concretizar o seu sonho, no dia seguinte, põe em prática a arte do encaralhanço.

 

Primeiro começa por dizer mal do chefe anterior – um incompetente, um encostado, um burgesso. No segundo dia de trabalho toma a sua primeira medida! Mudar a disposição do gabinete. Dispõe todos os móveis ao contrário do seu antecessor. Mesmo que não existam fichas eléctricas adaptadas à nova disposição, ele inventa e transforma aquilo numa central eléctrica, com extensões e cabos eléctricos pelo chão ao ponto de um gajo, se não tiver atenção, cair e partir os cornos contra uma esquina qualquer. Finalmente coloca umas fotos de família para marcar o território, como fazem os cães. Só não alçam a perna e mijam para as pernas dos móveis por sorte. Aquele passa a ser o seu território.

 

Depois dessa revolução, altamente estratégica, que ocupa todos os funcionários durante uma semana, o gajo passa ao passo seguinte – reformular procedimentos. Então, independentemente da eficácia dos anteriores, ele adopta um exaustivo pacote de novos procedimentos para encaralhar. Mesmo que se revelem disfuncionais, ele mantém-nos teimosamente só para ficar claro que quem manda naquela espelunca é ele e mais ninguém.

 

O passo seguinte, consiste em rejeitar todas as ideias (boas e más) que lhe proponham, não vão elas tirar o brilho à sua extraordinária liderança. No fundo o que o encaralhador quer é deixar a sua marca, sentir-se como o galo no poleiro.

 

Se um gajo propõe uma ideia, ele não aceita à primeira, nem à segunda, nem à terceira. Tem que reflectir. Ponderar! Pesar os prós e os contras. Pede uns dias. Depois arruma a proposta na gaveta e com um bocado de sorte nunca mais vê a luz do dia. É arquivada automaticamente. Nunca mais se ouve falar de tal merda!

 

Apesar de não acontecer nada! O gajo marca reuniões regulares! Aproveita-as para esfregar o seu sôfrego ego. Fala de umas viagens que fez com a mulher em mil novecentos e troca o passo às Caraíbas, a Palma de Maiorca, à romaria do Santoinho e à puta que o pariu. Fala de uns projectos em que esteve envolvido, nos quais teve papel relevante, senão fundamental, com resultados verdadeiramente estratosféricos.

 

Enquanto isso, um gajo vai gatafunhando uns bonecos nas folhas pagas pela repartição. Acrescenta umas linhas, mais umas linhas, até que constrói uma banda desenhada! Depois faz a lista do supermercado, idealiza o jantar, o vinho para o acompanhar, projecta um vinho da próxima colheita e quando de repente acorda, volta à realidade e dá com o gajo todo babado, ainda a falar dos seus feitos heróicos!

 

Entretanto fala apaixonadamente dos projectos futuros, enumerando uma lista exaustiva de novas ideias de que vais ouvir falar pela primeira e ultima vez.

 

O encaralhador não toma decisões. Tem medo de ferir susceptibilidades. É redundante, teórico, abstracto. A melhor forma de se manter no cargo é não fazer ondas. Faz uma gestão tranquila. Nunca toma partido. Mantém-se ali naquela zona de conforto, na terra de ninguém. Na ambivalência!

 

Um dia, porque se portou bem e até fez uns favorezitos a um outro encaralhador, será promovido ao posto de encaralhador-mor! Até que um dia chegarão encaralhadores de outras cores e vão todos para o caralho!

 

Ai a coisa recomeça. A primeira acção do novo encaralhador é dizer mal do seu antecessor, depois reconfigura o seu gabinete.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Esta Vertigem!


 
Talvez a vida não queira muito mais de nós que a capacidade de gerir esta incerteza que decorre da particularidade de vivermos neste limbo, nesta posição limite, na qual a vida e a morte coabitam paredes-meias. Viver nesta tensão, e apesar disso portarmo-nos como imortais até que a morte nos leve, é a nossa maior empreitada, o nosso desafio maior.

De resto a morte foi a maior invenção dos senhores do universo. Que outro sistema ou modelo é mais democrático, sem critérios de excepção? Se outro modelo fosse possível, rapidamente se instalaria um regime de excepção, cozinhado nas catacumbas da maçonaria, em que  só morreriam os tristes dos pobres, transformando o mundo num habitat exclusivo para ricos. Erradicava-se de vez a pobreza é certo, mas depois seria tudo uma grande chatice – Um mundo constituído por gordos a fumar charutos e a beber champanhe! Sem falar que os gajos acabariam por se comer uns aos outros!

Por outro lado, é a ideia de que um dia iremos partir que nos permite organizar. Tudo tem um tempo, a seu tempo. Se nunca morrêssemos, havia merdas que nunca faríamos. Com tanto tempo livre não teríamos pressa para nada! Tipo, uns casariam aos 15, outros aos 50, outros aos 125 anos! As festas de casamento pareceriam os concertos transgeracionais dos Stones! Assim não! Temos que acelerar, pois nunca se sabe se vamos ter o tempo que precisamos.

Portanto, a ciência da vida, se ela existir, é muito menos complexa do que o que parece – resumindo será viver o dia a dia, apesar da nossa finitude, e fazer desse quotidiano uma marca. A nossa marca! Construir dia após dia algo de verdadeiramente significativo, marcante e engrandecedor da nossa condição de animais efémeros. No fundo deixar a nossa pegada! Esclarecer, através desse percurso, como gostaríamos de ser lembrados pelos demais depois da nossa partida.

O que gostaríamos nós de ter inscrito na lápide da nossa sepultura? “Aqui jaz um gajo porreiro, amigo do seu amigo”, ou simplesmente “aqui jaz um camelo, um grande filho da puta”?

No meu caso, não tenho nenhuma pressa para morrer! Poderia até afirmar que se fosse alterada esta regra de todos terem um dia que falecer, eu próprio, que até conheço um gajo que conhece outro que é amigo do primo da mulher do presidente de um organismo que tutela estas merdas, meteria uma cunha para andar ai a passear os esqueleto pela eternidade! A fazer companhia aos ricos gordos! Mas não!

Então, sem tempo para enriquecer, só me resta a defesa intransigente de alguns pilares fundamentais à minha realização pessoal, a saber - a defesa do conceito e do valor da família, os valores e os princípios que me foram transmitidos pelos meus pais, a amizade em elevado grau de pureza e a construção de um sonho -  fazer vinhos. Isto claro está, para além de outras miudezas! Importa aqui, por agora, clarificar esta questão do vinho.

Esta aventura iniciou-se no concreto no ano de 2006 com a produção do meu primeiro vinho a que chamei “Primeira Água”, a partir de uvas compradas na região do Dão. Mas se o primeiro vinho apenas surgiu nessa altura, ele só foi possível, porque vinha crescendo em mim, desde há alguns anos, um chamamento, um apelo pela terra.

O vinho é assim apenas a expressão de um sonho mais amplo - percorrer esse caminho de regresso àquilo que é mais genuíno, mais ancestral na minha própria história - A relação com a terra e com os seus produtos. Um mundo tão duro quanto mágico!
 
 
A plantação da Vinhas das Penicas em 2007, pequena propriedade junto ao Palácio de S. Marcos, na freguesia de S. Martinho de Árvore, no concelho de Coimbra, concretizou pois esse ansiado regresso às origens, às minhas memórias mais primárias. Conjugar o contacto com a terra com a produção de vinhos é neste momento um desafio.

Mas que vinho produzir? Como fazer para agarrar nesta paixão e colocá-la dentro de uma garrafa? E o resultado dessa paixão, como o fazer chegar e dar a conhecer a outras pessoas?

Bem a primeira condição é que seja uma produção necessariamente pequena, de nicho, mas que seja marcante, sem concessões a uma filosofia de vinhos de terroir, que marquem a diferença pela autenticidade. Que sejam vinhos de “sítio”, que representem uma ideia, que tenham carácter único, que se façam ali, naquela vinha e em mais lugar nenhum. Irrepetíveis portanto! E claro, a segunda condição e não menos importante – que tenha qualidade reconhecida.

Cansado, como muitos outros apreciadores, do perfil massificado da maioria dos vinhos actuais, tecnológicos, para beber novos, muitos encorpados e alcoólicos, no estilo “fruit bomb”, necessáriamente pouco frescos e amiúde chatos e pouco gastronómicos, defendo vinhos com uma matriz de identidade assente num carácter marcadamente indígena. De intervenção mínima! No fundo preconizo muito trabalho na vinha, pouco na adega!

Vinhos de produção muito limitada, micro vinificações portanto, elegantes, tânicos, longevos, para consumir apenas depois dos três ou quatro anos de idade. Vinhos com carácter, que transmitam os aromas da terra, pronunciadamente minerais, frescos e moderadamente extraídos e alcoólicos.

Nos últimos anos tenho vindo a prestar especial atenção ao carácter dos vinhos da Bairrada, com especial enfoque para os grandes tintos feitos a partir da casta Baga. São vinhos autênticos e que me têm enchido as medidas e que representam na essência esse apelo à autenticidade.

A aquisição de uma vinha este ano, quase centenária, plantada com a casta Baga, lançar-me-á na procura desse tal vinho! Espero pois, dar aqui neste espaço o testemunho desta aventura, desta procura do vinho da minha vida!

Boa vida, bons vinhos!

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quarta-feira, 22 de abril de 2015

São bagas, Senhor!

Acta do Tonel 71º


Estabelece esta imponente irmandade, aos vinte e três dias do mês de Março do ano da graça de nosso senhor de 2015, o título de Senhor Baga, atribuindo-o sem demoras ao irmão Beto pela demonstração inequívoca do conhecimento e domínio da casta. Valida esta irmandade a justeza e merecimento de tal distinção, reconhecendo por unanimidade que a mesma peca apenas por tardia. Por ora, e até nova deliberação, tamanha distinção será repartida pelo dito e pelo Sr. Luís Pato, também animal com provas dadas na temática.

Os ensinamentos

Sejamos claros! Nenhuma casta foi tão mal tratada como a Baga. Mais! Ela foi desclassificada sobretudo pelos próprios bairradinos, que não tiverem pejo em maltratar e maldizer aquilo que era seu por herança! Mas ela pôs-se a jeito! Ai pôs, pôs!

É que nenhuma outra casta nos fez sofrer na pele e no palato tamanho sofrimento. Todos nós já bebemos nas adegas da nossa região vinhos Baga,  também chamada por aqui de Poeirinho, tão maus que até as lágrimas nos saltaram dos olhos. Vinhos tão ácidos, delgados e frios que eram capazes de nos deixar sem voz quatro dias. Um único copo era suficiente para nos provocar um resfriado agudo, caso não tomássemos em simultâneo um Brufen ou o bebêssemos de sobretudo vestido e meia grossa calçada. Nalguns casos, era apenas possível bebê-los debaixo das mantas ou mesmo anestesiado! Uma verdadeira tortura!

Em suma, a Baga foi durante décadas tão mal tratada na vinha e na adega que os seus vinhos, sem tempo para amadurecer, foram declarados malditos, associais e indomáveis, e a casta praticamente banida a sua vinificação clássica - 85% a 100% no lote.

Resultado? No ainda vigente culto dos vinhos fáceis, jovens, doces e amadeirados, a Baga perdeu espaço e foram reconvertidos milhares de hectares de vinhas antigas em castas mais macias, quentes e aveludadas. De venda fácil! Foi por isso que a casta caiu nas ruas da amargura, cedendo o seu lugar aos Sirah, Merlot ou Cabernet Sauvignon.

Com tamanho descuido, a região da Bairrada perdeu a sua matriz de identidade, aquilo que verdadeiramente a diferenciava das outras regiões de Portugal e do mundo, alinhou na corrente dos vinhos afrancesados, colocando-se a par de tantos outros milhares de vinhos feitos com o mesmo perfil nas mais variadas latitudes. Como podia a Bairrada, uma região pequena, marcar a diferença no mundo global com vinhos feitos com Merlot ou Sirah? A região estagnou. Naturalmente!

Mas nem todos o produtores cederam às dificuldades e alguns persistiram no seu caminho, na sua crença – Marcar a diferença, pela diferença. Foram compensados! Existe hoje um movimento de reestruturação dos vinhos clássicos bairradinos e a casta e a região gozam de um crescente interesse e reconhecimento, dos consumidores nacionais e sobretudo internacionais, cansados do perfil massificado dos vinhos actuais. A Baga e a Bairrada estão na moda!

Os vinhos Baga

São vinhos muito tânicos, por vezes ligeiros de cor. Apresentam uma longevidade invulgar para um vinho de mesa e em alguns casos tornam-se lendários, irrepetíveis e com carácter absolutamente raro e diferenciado. Os grandes tintos Baga nos primeiros anos de vida mostram sobretudo aromas de vinificação. Dos três aos cinco anos parecem fecha-se um pouco, para a partir dai explodirem em fruta preta e vermelha madura, bagas silvestres maceradas, tabaco, com final de boca fino e especiado, leve vegetal e aromas terrosos muito pronunciados! Têm frequentemente um nariz muitíssimo perfumado e balsâmico, com sugestões de violeta. São vinhos diferenciados e únicos!

A prova

Neste Tonel as expectativas eram altas. Havia de resto um frenesim acrescido relativamente a provas anteriores. Uns acreditavam que poderia ser uma prova marcante, outros torciam o nariz. É que também na nossa irmandade havia adeptos e detractores da casta. Estes últimos ficaram finalmente rendidos.
 
Em causa estava a avaliação de um painel de vinhos muito diversificado, constituído por vinhos de nível médio alto, de colheitas antigas e recentes, separadas por muitos anos, estilos de vinificação e perfis de estágio também muitos diferentes - o vinho mais velho era da colheita de 1991, com 24 anos portanto, e o mais jovem da colheita de 2013. Foi uma viagem emocionante pela história da própria região! Foi como viajar no tempo, percorrer colheitas tão distantes, vinhos maravilhosamente tão únicos.

Refrescada a boca com o espumante Borga da casta Pinot Noir, do produtor Carlos Campolargo e passada a limpo com o espumante de autor Vinhas das Penicas Baga 2013, do produtor Alberto Almeida, fomos gulosos directos aos tintos, que o nervoso miudinho crescia. O chefe Pedro, do restaurante Estação de Sabores, em Miranda do Corvo, tinha-nos preparados uns consistentes entreténs de boca ainda antes do poderoso bacalhau à lagareiro saltar para a mesa, que a prova pedia comida consistente e estômago bem forrado.

Se as expectativas eram altas, bem se pode dizer, ao olhar no final para as sobras de vinho, que elas foram sobejamente superadas. Os decanters ficaram simplesmente vazios. Secos! Todos!

Numa primeira apreciação podemos dizer que os vinhos estiveram num nível muito alto. Sete dos oito vinhos em prova obtiveram classificação final suficiente para ganhar provas anteriores. A diferença ente o vinho mais pontuado e o sétimo classificado foi de apenas 12 pontos. Mais, com a excepção do vinho Baga 2013 da Filipa Pato, o menos pontuado da prova, todos os outros foram eleitos o melhor em prova por pelo menos um dos provadores. Admirável!

E o vinho da colheita de 1991? Bem, numa primeira apreciação não saltava à vista. Nem pela cor, aroma ou no ataque e final de boca. O vinho apresentava uma admirável juventude aos 24 anos de idade. Apenas 7 dos 11 experimentados provadores o identificaram. Surpreendente? Não! Defeito dos provadores? Também não! Mérito do vinho, de uma casta, melhor de uma região que tem tudo para marcar a diferença no mundo.

Classificação final

Outrora 2010, 87 pontos. Colinas S. Lourenço 2011, 86 pontos. Kompassus 2011, 81 pontos. Marquês de Marialva Reserva 2010, 79 pontos. Aliança Baga 2009, 78 pontos. Cinquentenário Adega Cantanhede 2003, 76, pontos. Confirmado 1991, 75 pontos. e prémio vinagre, Filipa Pato, Baga 2013, 65 pontos.

O irmão Beto, de ora em diante Senhor Baga, conforme titulo supra anunciado, fez o pleno na prova, identificando todos os oito vinhos!

Quer esta irmandade prestar aqui a sua homenagem a todos os homens e mulheres que trabalham nas vinha e nas adegas bairradinas, inovando e revolucionando todos os dias, de modo a colocar os seus vinhos no top das preferências dos consumidores mais exigentes. Nunca se poderá deixar de sublinhar, neste conjunto de pessoas, o papel do senhor Luís Pato, o mais emblemático e inovador produtor da bairradino e o responsável maior pela metamorfose dos vinhos da casta baga. Bem-haja!

Por fim, por unanimidade e não menos importante, ficou decidido em nome da defesa da qualidade dos vinhos apresentados a prova, com efeitos imediatos, que o irmão que apresente o vinho menos pontuado na prova, seja premiado com a apresentação de um Porto de categoria superior no Tonel seguinte. O Daniel é pois o feliz contemplado!

Agradeça-se o bom serviço do restaurante Estação de Sabores.

Irmandade dos Tonéis, desde 2000 por vinhos de um cabrão!


domingo, 8 de fevereiro de 2015


 “Declaro por minha honra preservar, promover e divulgar o ritual da irmandade do tonéis, reconhecendo o papel dos tonéis na valorização do vinho e da gastronomia que lhe está associada;

Prometo valorizar os sabores e aromas dos néctares degustados, não mais me comportando como um "envinagrado dum cabrão", nem mesmo como "curioso de tinto". “

O Tonel 69
Poderíamos começar este texto pelo caminho mais fácil! Com uns trocadilhos baratos e estéreis aproveitando a infeliz sequência numérica deste nosso tonél! Escreveríamos aqui umas graçolas de meia tigela sobre umas posições acrobáticas que obedecem a uma determinada simetria ou talvez até poderíamos invocar aqui o Kamasutra, essa bíblia do deleite. Mas o assunto aqui é vinho. E para mais, esta linguagem do sexo seria estranha para a maioria dos membros desta impoluta irmandade. Gente de postura séria e hirta! Para alguns desta ingénua gente, o Kamasutra seria facilmente confundido com o nome de um qualquer novo avançado do Sporting!
Poderíamos até, caso fugíssemos às nossas responsabilidades, e agindo preventivamente, ter saltado directamente do 68º para o 70º Tonél evitando assim conotações abusivas ou o devasso gratuito. Mas não! Jamais no desviaremos um milímetro que seja da nossa missão!
Desta forma importa com lisura e elevação passar ao largo da devassidão, figas canhoto, que até estou a suar, e falar do que verdadeiramente importa – De sexo! Perdão, de vinho!
 
A cerimónia
Ficará este tonel 69, realizado aos vinte e três dias do mês de Janeiro do ano da graça de nosso senhor de 2015, marcado nos anais desta imponente irmandade pela cerimónia de entronização dos novos irmãos Nelson, João Lopes e Victor Cancela, que vêem assim o seu actual e pobre estatuto de “curiosos do vinho e envinagrados dum cabrão” acender ao honroso título de ”Irmãos”.
O excerto do juramento acima transcrito, lido a viva e trémula voz, carimbou em definitiva tamanha pretensão e serve como prova da enorme bondade e condescendência da nossa digníssima congregação. Um marco. Uma responsabilidade. Parabéns!
 
Ataque de boca
E enquanto os oito vinhos do Dão arejavam, região em prova no presente jantar, iniciamos o aquecimento vínico/gastronómico com a prova de três espumantes – Messias branco bruto 2012, Penicas rosé bruto 2013 e Terras do Demo bruto 2011, que embalaram com coragem e brilho o carácter fortemente condimentado das sardinhas e enchovas de conserva e dos queijos de cabra da região de Castelo Branco.
 
O rigor gastronómico do Irmão Nelson e de sua excelência o nosso Grão-Mestre e Chef reputado Fernando Marques, ficou definitivamente vincado com a apresentação das entradas – Umas vieiras gratinadas no forno com ovo, queijo e pão torrado, acompanhadas por dois Vinhos Verdes varietais – o vibrante e consensual Soalheiro Alvarinho 2011 e um controverso Avesso 2005, já com marcadas notas de evolução, de que já nem do nome nos lembramos.
 
O repasto principal foi confeccionado a partir de sete Sargos pescados à linha nas águas de Baiona, nos beiços da co… actchimmmm,  perdão, da costa Galega, pela cana do nosso novo irmão João Lopes. Assados no forno com batatinhas e servidos em cama de espinafres com mel, ganharam o estatuto de iguaria, ombreando de modo franco com os oito elegantes mas poderosos vinhos do Dão, desfazendo assim esse mito urbano – que não se deve acompanhar peixe com vinho tinto. Ai está a prova provada que bons vinhos acompanham bons peixes! Já os maus não acompanham coisa nenhuma!
 
Notas de Prova
Respondendo ao repto lançado no último Tonél, de que o vinho apresentado a prova carece de sumária apresentação, na qual o proponente fundamenta a sua sugestão, os irmãos não se fizeram rogados e apresentaram-se na prova exemplarmente documentados. Era vê-los munidos de pastas de apontamentos e argumentos afinados na ponta da língua, mostrando trabalho de casa bem feito. Se a irmandade fosse financiada pelo Estado, no próximo Tonel alguns levariam assessores!
Em prova, por ordem de classificação, apresentaram-se os seguintes vinhos: Corga Touriga Nacional 2011 e Quinta da Fata Reserva 2011 (1º lugar ex aequo, 75 pontos), Chão da Quinta 2011 (3º lugar, 73 pontos), Quinta dos Carvalhais 2010 (4º lugar, 72 pontos), Quinta da Vegia 2010 (5º lugar, 64 pontos, Fuga - Casa da Passarela 2011 e Ribeiro Santo Reserva 2011 (6º lugar ex aequo, 62 pontos e a distinção vinagre para o aristocrático Quintas de Saes, 2011, Estágio Prolongado (58 pontos). Este último terá sido a desilusão da noite!
 
Fim de boca (dissertações)
A irmandade não prova vinhos só porque sim, fá-lo com um intuito bem claro. Se em primeira instancia o objectivo é avaliar 8 vinhos em cada prova, num momento subsequente pretende esta congregação elaborar pensamento crítico sobre os perfis, caminhos e tendências do Vinho. O crescente fenómeno da adocicação, perfumação e sobretudo de madeirização dos vinhos não nos tem passado ao lado. Neste Tonel, dois vinhos revelaram-se, na nossa opinião, bons representantes dessas tendências, a saber -  O vinho Quinta de Saes (vinagre, 58 pontos) que apresentava carácter fortemente perfumado, escondendo aromas mais vinhosos ou vegetais e o Chão da Quinta (3º lugar, 73 pontos), que revelava sobretudo notas florais, doces e pronunciadas notas de barrica. Na prova, se a irmandade foi severa com o primeiro, já relativamente ao segundo foi bastante contemplativa, atribuindo-lhe o honroso 3º lugar. Afinal, talvez os produtores tenham razão – É de madeira e de notas doces que elas e eles gostam mais!
E por falar em doces, no cair do pano, serviu-se um irrepreensível arroz doce à moda de Coimbra, acompanhado por um poderoso Croft Porto Vintage 2012. Nunca Pior!
Agradeça-se a hospitalidade do irmão Nelson.
 
Irmandade dos Tonéis
Fundada em 2000, por vinhos de um cabrão