quarta-feira, 22 de abril de 2015

São bagas, Senhor!

Acta do Tonel 71º


Estabelece esta imponente irmandade, aos vinte e três dias do mês de Março do ano da graça de nosso senhor de 2015, o título de Senhor Baga, atribuindo-o sem demoras ao irmão Beto pela demonstração inequívoca do conhecimento e domínio da casta. Valida esta irmandade a justeza e merecimento de tal distinção, reconhecendo por unanimidade que a mesma peca apenas por tardia. Por ora, e até nova deliberação, tamanha distinção será repartida pelo dito e pelo Sr. Luís Pato, também animal com provas dadas na temática.

Os ensinamentos

Sejamos claros! Nenhuma casta foi tão mal tratada como a Baga. Mais! Ela foi desclassificada sobretudo pelos próprios bairradinos, que não tiverem pejo em maltratar e maldizer aquilo que era seu por herança! Mas ela pôs-se a jeito! Ai pôs, pôs!

É que nenhuma outra casta nos fez sofrer na pele e no palato tamanho sofrimento. Todos nós já bebemos nas adegas da nossa região vinhos Baga,  também chamada por aqui de Poeirinho, tão maus que até as lágrimas nos saltaram dos olhos. Vinhos tão ácidos, delgados e frios que eram capazes de nos deixar sem voz quatro dias. Um único copo era suficiente para nos provocar um resfriado agudo, caso não tomássemos em simultâneo um Brufen ou o bebêssemos de sobretudo vestido e meia grossa calçada. Nalguns casos, era apenas possível bebê-los debaixo das mantas ou mesmo anestesiado! Uma verdadeira tortura!

Em suma, a Baga foi durante décadas tão mal tratada na vinha e na adega que os seus vinhos, sem tempo para amadurecer, foram declarados malditos, associais e indomáveis, e a casta praticamente banida a sua vinificação clássica - 85% a 100% no lote.

Resultado? No ainda vigente culto dos vinhos fáceis, jovens, doces e amadeirados, a Baga perdeu espaço e foram reconvertidos milhares de hectares de vinhas antigas em castas mais macias, quentes e aveludadas. De venda fácil! Foi por isso que a casta caiu nas ruas da amargura, cedendo o seu lugar aos Sirah, Merlot ou Cabernet Sauvignon.

Com tamanho descuido, a região da Bairrada perdeu a sua matriz de identidade, aquilo que verdadeiramente a diferenciava das outras regiões de Portugal e do mundo, alinhou na corrente dos vinhos afrancesados, colocando-se a par de tantos outros milhares de vinhos feitos com o mesmo perfil nas mais variadas latitudes. Como podia a Bairrada, uma região pequena, marcar a diferença no mundo global com vinhos feitos com Merlot ou Sirah? A região estagnou. Naturalmente!

Mas nem todos o produtores cederam às dificuldades e alguns persistiram no seu caminho, na sua crença – Marcar a diferença, pela diferença. Foram compensados! Existe hoje um movimento de reestruturação dos vinhos clássicos bairradinos e a casta e a região gozam de um crescente interesse e reconhecimento, dos consumidores nacionais e sobretudo internacionais, cansados do perfil massificado dos vinhos actuais. A Baga e a Bairrada estão na moda!

Os vinhos Baga

São vinhos muito tânicos, por vezes ligeiros de cor. Apresentam uma longevidade invulgar para um vinho de mesa e em alguns casos tornam-se lendários, irrepetíveis e com carácter absolutamente raro e diferenciado. Os grandes tintos Baga nos primeiros anos de vida mostram sobretudo aromas de vinificação. Dos três aos cinco anos parecem fecha-se um pouco, para a partir dai explodirem em fruta preta e vermelha madura, bagas silvestres maceradas, tabaco, com final de boca fino e especiado, leve vegetal e aromas terrosos muito pronunciados! Têm frequentemente um nariz muitíssimo perfumado e balsâmico, com sugestões de violeta. São vinhos diferenciados e únicos!

A prova

Neste Tonel as expectativas eram altas. Havia de resto um frenesim acrescido relativamente a provas anteriores. Uns acreditavam que poderia ser uma prova marcante, outros torciam o nariz. É que também na nossa irmandade havia adeptos e detractores da casta. Estes últimos ficaram finalmente rendidos.
 
Em causa estava a avaliação de um painel de vinhos muito diversificado, constituído por vinhos de nível médio alto, de colheitas antigas e recentes, separadas por muitos anos, estilos de vinificação e perfis de estágio também muitos diferentes - o vinho mais velho era da colheita de 1991, com 24 anos portanto, e o mais jovem da colheita de 2013. Foi uma viagem emocionante pela história da própria região! Foi como viajar no tempo, percorrer colheitas tão distantes, vinhos maravilhosamente tão únicos.

Refrescada a boca com o espumante Borga da casta Pinot Noir, do produtor Carlos Campolargo e passada a limpo com o espumante de autor Vinhas das Penicas Baga 2013, do produtor Alberto Almeida, fomos gulosos directos aos tintos, que o nervoso miudinho crescia. O chefe Pedro, do restaurante Estação de Sabores, em Miranda do Corvo, tinha-nos preparados uns consistentes entreténs de boca ainda antes do poderoso bacalhau à lagareiro saltar para a mesa, que a prova pedia comida consistente e estômago bem forrado.

Se as expectativas eram altas, bem se pode dizer, ao olhar no final para as sobras de vinho, que elas foram sobejamente superadas. Os decanters ficaram simplesmente vazios. Secos! Todos!

Numa primeira apreciação podemos dizer que os vinhos estiveram num nível muito alto. Sete dos oito vinhos em prova obtiveram classificação final suficiente para ganhar provas anteriores. A diferença ente o vinho mais pontuado e o sétimo classificado foi de apenas 12 pontos. Mais, com a excepção do vinho Baga 2013 da Filipa Pato, o menos pontuado da prova, todos os outros foram eleitos o melhor em prova por pelo menos um dos provadores. Admirável!

E o vinho da colheita de 1991? Bem, numa primeira apreciação não saltava à vista. Nem pela cor, aroma ou no ataque e final de boca. O vinho apresentava uma admirável juventude aos 24 anos de idade. Apenas 7 dos 11 experimentados provadores o identificaram. Surpreendente? Não! Defeito dos provadores? Também não! Mérito do vinho, de uma casta, melhor de uma região que tem tudo para marcar a diferença no mundo.

Classificação final

Outrora 2010, 87 pontos. Colinas S. Lourenço 2011, 86 pontos. Kompassus 2011, 81 pontos. Marquês de Marialva Reserva 2010, 79 pontos. Aliança Baga 2009, 78 pontos. Cinquentenário Adega Cantanhede 2003, 76, pontos. Confirmado 1991, 75 pontos. e prémio vinagre, Filipa Pato, Baga 2013, 65 pontos.

O irmão Beto, de ora em diante Senhor Baga, conforme titulo supra anunciado, fez o pleno na prova, identificando todos os oito vinhos!

Quer esta irmandade prestar aqui a sua homenagem a todos os homens e mulheres que trabalham nas vinha e nas adegas bairradinas, inovando e revolucionando todos os dias, de modo a colocar os seus vinhos no top das preferências dos consumidores mais exigentes. Nunca se poderá deixar de sublinhar, neste conjunto de pessoas, o papel do senhor Luís Pato, o mais emblemático e inovador produtor da bairradino e o responsável maior pela metamorfose dos vinhos da casta baga. Bem-haja!

Por fim, por unanimidade e não menos importante, ficou decidido em nome da defesa da qualidade dos vinhos apresentados a prova, com efeitos imediatos, que o irmão que apresente o vinho menos pontuado na prova, seja premiado com a apresentação de um Porto de categoria superior no Tonel seguinte. O Daniel é pois o feliz contemplado!

Agradeça-se o bom serviço do restaurante Estação de Sabores.

Irmandade dos Tonéis, desde 2000 por vinhos de um cabrão!