quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Do velho escorpião ao inevitável regresso ao estado regulador

Um certo dia um escorpião, fugindo da floresta em chamas, chegou à beira de um rio e avistando uma tartaruga implorou-lhe desesperado:
– Tartaruga, tu me transportarias sobre a tua carapaça para a outra margem?
- Escorpião, isso não me custaria nada, mas como posso eu ter a certeza que não me irás matar com o teu veneno? Todos sabem como picas quem quer que se coloque ao alcance do teu ferrão.
- Ora, mas como poderia eu fazer isso? Se te picar, e vires a morrer, eu afundo-me e também morrerei afogado.
A tarturuga achou que o argumento fazia sentido e, seduzida, acedeu às pretensões do escorpião. Ainda a viagem não ai a meio quando a tartaruga sentiu o mortal ferrão espetar-se no seu pescoço. Incrédula, disse como a voz a fraquejar:
-Escorpião! Porque fizeste isso?
- Desculpa tartaruga, disse o escorpião, mas não consigo fugir ao meu destino. É da minha natureza!!
Nesta altura do texto já todos perceberam quem é o novo escorpião e quem é a velha tartaruga!
O Dr. Passos Coelho não conseguiu fugir ao seu destino e à sua natureza por muito tempo. Depois da sedução, das promessas de ataque aos jobs for the boys, aos lugares de confiança politica e aos vencimentos pornográficos, eis que, em pouco mais de dois meses, tudo começa a cheirar a “dejá vu”. Cumprindo o destino - tudo mudar para que fique tudo exactamente na mesma – carregou sobre os mesmo, poupando os habituais. Foi assim nos últimos trinta e tal anos!
Depois de um começo populista - viagens em classe económica, férias no meio do povo e o apelo ao não uso de gravata no ministério da agricultura - vimos agora que este novo escorpião é fiel ao ADN dos seus antecessores.
Nomeações em série por confiança politica, pois está claro, onze (!) só para a CGD,a benolência com a banca e todo o sector financeiro, aumentos brutais do preço dos transportes públicos, facilitação dos despedimentos (redução do valor da indemizações), aumento dos impostos sobre o trabalho e sobre bens essenciais, mas não sobre o capital, os juros e dividendos, privatizações ao desbarato, etc, etc… Tudo a pagar por quem trabalha e em benefício do grande capital. E porquê?
Pedro Passos Coelho parece um homem sensato e de boa fé, mas padece de dois males incuráveis: Em primeiro lugar é um jotinha e como tal deve muitos favores aos barões do aparelho social-democrata. Em segundo lugar, é ideologicamente um liberal, acreditando no sector privado e nos mercados como motores e autoreguladores do sistema economico ou financeiro.
Quanto ao primeiro mal, nada a crescentar – terá naturalmente de fazer concepções ao aparelho e seus barões, mais umas quantas ao do CDS, arranjando algumas centemas de colocações, devidamente remureradas, para outros tantos boys. Nada de novo portanto!
Quanto ao segundo mal…a coisa merece algumas considerações.
Nos últimos anos muitos governantes um pouco por todo o mundo acreditaram que deveriam ceder aos mercados toda a iniciativa economica ou financeira, alienando inclusivé sectores estratégicos para a suas economias. Mais, demitiram, em muitos casos, o estado do seu papel regulador, deixando os mercados funcionar livremente. Muitos acreditaram na capacidade de autoregulação dos mercados, e na sua capacidade de produzir riqueza e prosperidade para todos. Em parte estavam certos! De facto nunca como nos nos últimos 10/20 anos se produziu tanta riqueza e prosperidade. Mas, e há sempre um mas, essa riqueza e prosperidade está a ficar nas mãos de muito poucos. Nunca como agora houve tantos multimilionários e simultaneamente tantos pobres. Novos pobres, sendo que alguns acumulam já uma dupla condição – pobres e escravos. Mais, os próprios estados ficaram reféns dos mercados, como se pode agora verificar pela instabilidade monetária na velha e sabida europa.
Por exemplo em Portugal, nasceu da iniciativa privada o BPN, que durante anos, com uma gestão gananciosa e fraudulenta gerou milhões de lucro para os seus accionistas. Em algum momento foi sugerida a distribuição dos seus lucros pelos contribuintes? Claro que não, afinal tratava-se de um negócio de iniciativa privada. Então, deixem-me que pergunte - porque é que teremos de ser nós contribuintes a pagar os prejuizos de um banco privado? O BPN foi agora vendido a um outro grupo privado. Todo o património mobiliário e imobiliário, incluindo todos os balcões, rendeu, pasmem-se, 40 milhões! Nós pagamos o resto. Até agora 2,4 mil milhões de euros! É o mercado!
Este mercado livre, sem supervisão ou intervenção do estado em que Pedro Passos Coelho acredita é o mesmo mercado que ataca agora a moeda única europeia, o mesmo que ataca nações, o mesmo que põe em risco autonomias nacionais e que coloca as famílias europeias a passar fome.
É esse mesmo mercado que nos impõe que vendamos o país ao desbarato, parte da CGD, as àguas de Portugal, a TAP, a EDP e a Galp. Pedro passos Coelho ficará na história como o político que entregou definitivamente o ouro ao bandido, leia-se - grande capital. Não é contudo o principal reponsável, entenda-se. Nada de bom virá por aí.
O que devemos pensar e sentir quando ficamos a saber que o patrão do grupo Jerónimo Martins, Alexandre Soares dos Santos, tem uma fortuna avaliada em 1917,4 milhões de euros pela revista Exame, figurando entre as três pessoas mais ricas de Portugal e, na semana seguinte, lermos num outro jornal que 1100 dos seus colaboradores em situações de necessidade extrema, vão ser apoiados pelo grupo nas despesas relacionadas com a alimentação da família - através de cheques ou senhas? Que distribuição de riqueza será esta? Em vez de salários justos os grandes grupos económicos dão esmolas aos seus funcionários?
O economista turco de origem judaica e naturalizado norte-americano, Nouriel Roubini, o tal que previu esta crise no início deste século, lembra agora que Karl Marx estava certo, quando acreditava que, o capitalismo pode auto-destruir-se, porque não se pode continuar a transferir rendimentos dos salários para os lucros sem ter menor capacidade de trabalho e uma menor procura".Isto quer dizer simplesmente isto – Se o capitalismo continuar a tirar a quem trabalha para acumular grandes fortunas, os pobres deixam de comprar e a procura de produtos decresce provocando uma hecatombe sobre a economia mundial, colocando os sistemas financeiros em insolvência. Mas os mercados, gananciosos e imorais, continuarão, com a complacência dos estados, a espremer a teta à vaca, e só vão parar quando ela secar!
Recentemente, o multimilionário norte-americano Warren Buffett escreveu um artigo de opinião no "New York Times", em que enviou um recado a Barack Obama. Buffett. Entende Buffett que a partilha de sacrifícios pedidos à população é injusta para as classes mais pobres e acrescenta: "Parem de mimar os super-ricos". Para revelar que a austeridade o tem mimado, escreve: " Verifiquei junto dos meus amigos milionários para saber que sacrifícios lhes foram pedidos, mas também eles ficaram intactos. No último ano, a minha conta fiscal foi de 6 938 744 dólares, apenas 17,4% dos meus rendimentos tributáveis, o que é uma percentagem menor do que a que foi paga pelos meus funcionários”
Aquilo que aconteceu nos últimos dias em Londres foi obra de delinquentes sim. Mas de delinquentes filhos de famílias desenraizadas, excluídas. Jovens que perderam o lugar neste vertiginoso comboio capitalista, sem emprego, sem valores e sem esperança no futuro. Um dia a bomba explode por cá também.
Pedro Passos Coelho parece não ter ainda percebido a história e o seu rumo e ainda há dias, na festa do Pontal, pedia concertação social para evitar a revolta das pessoas e a conflitualidade nas ruas. Pois bem Sr. Passos Coelho, a conflitualidade e a revolta evitam-se com justiça social. As pessoas precisam de saber que os sacrifícios que lhes pedem têm um objectivo claro e que todos, incluindo a banca e outros privilegiados, estão no mesmo barco e partilham também do esforço. De outra forma o povo, mais tarde ou mais cedo, vai sair à rua. E com razão!
Por isso, faço-nos um favor – se quer de facto ficar na história, como confessou há dias, distribua os sacrifícios por todos e pare de mimar os ricos. Ponha os rendimentos do capital, os juros e dividendos, a pagar impostos. E já agora, pare com esta desarvegonhada protecção à banca e aos seus accionistas multimiliionários.
E, voltando à fábula do escorpião – Não se esqueça Sr. Passos Coelho que o escorpião também se afundou com a tartaruga!