domingo, 8 de fevereiro de 2015


 “Declaro por minha honra preservar, promover e divulgar o ritual da irmandade do tonéis, reconhecendo o papel dos tonéis na valorização do vinho e da gastronomia que lhe está associada;

Prometo valorizar os sabores e aromas dos néctares degustados, não mais me comportando como um "envinagrado dum cabrão", nem mesmo como "curioso de tinto". “

O Tonel 69
Poderíamos começar este texto pelo caminho mais fácil! Com uns trocadilhos baratos e estéreis aproveitando a infeliz sequência numérica deste nosso tonél! Escreveríamos aqui umas graçolas de meia tigela sobre umas posições acrobáticas que obedecem a uma determinada simetria ou talvez até poderíamos invocar aqui o Kamasutra, essa bíblia do deleite. Mas o assunto aqui é vinho. E para mais, esta linguagem do sexo seria estranha para a maioria dos membros desta impoluta irmandade. Gente de postura séria e hirta! Para alguns desta ingénua gente, o Kamasutra seria facilmente confundido com o nome de um qualquer novo avançado do Sporting!
Poderíamos até, caso fugíssemos às nossas responsabilidades, e agindo preventivamente, ter saltado directamente do 68º para o 70º Tonél evitando assim conotações abusivas ou o devasso gratuito. Mas não! Jamais no desviaremos um milímetro que seja da nossa missão!
Desta forma importa com lisura e elevação passar ao largo da devassidão, figas canhoto, que até estou a suar, e falar do que verdadeiramente importa – De sexo! Perdão, de vinho!
 
A cerimónia
Ficará este tonel 69, realizado aos vinte e três dias do mês de Janeiro do ano da graça de nosso senhor de 2015, marcado nos anais desta imponente irmandade pela cerimónia de entronização dos novos irmãos Nelson, João Lopes e Victor Cancela, que vêem assim o seu actual e pobre estatuto de “curiosos do vinho e envinagrados dum cabrão” acender ao honroso título de ”Irmãos”.
O excerto do juramento acima transcrito, lido a viva e trémula voz, carimbou em definitiva tamanha pretensão e serve como prova da enorme bondade e condescendência da nossa digníssima congregação. Um marco. Uma responsabilidade. Parabéns!
 
Ataque de boca
E enquanto os oito vinhos do Dão arejavam, região em prova no presente jantar, iniciamos o aquecimento vínico/gastronómico com a prova de três espumantes – Messias branco bruto 2012, Penicas rosé bruto 2013 e Terras do Demo bruto 2011, que embalaram com coragem e brilho o carácter fortemente condimentado das sardinhas e enchovas de conserva e dos queijos de cabra da região de Castelo Branco.
 
O rigor gastronómico do Irmão Nelson e de sua excelência o nosso Grão-Mestre e Chef reputado Fernando Marques, ficou definitivamente vincado com a apresentação das entradas – Umas vieiras gratinadas no forno com ovo, queijo e pão torrado, acompanhadas por dois Vinhos Verdes varietais – o vibrante e consensual Soalheiro Alvarinho 2011 e um controverso Avesso 2005, já com marcadas notas de evolução, de que já nem do nome nos lembramos.
 
O repasto principal foi confeccionado a partir de sete Sargos pescados à linha nas águas de Baiona, nos beiços da co… actchimmmm,  perdão, da costa Galega, pela cana do nosso novo irmão João Lopes. Assados no forno com batatinhas e servidos em cama de espinafres com mel, ganharam o estatuto de iguaria, ombreando de modo franco com os oito elegantes mas poderosos vinhos do Dão, desfazendo assim esse mito urbano – que não se deve acompanhar peixe com vinho tinto. Ai está a prova provada que bons vinhos acompanham bons peixes! Já os maus não acompanham coisa nenhuma!
 
Notas de Prova
Respondendo ao repto lançado no último Tonél, de que o vinho apresentado a prova carece de sumária apresentação, na qual o proponente fundamenta a sua sugestão, os irmãos não se fizeram rogados e apresentaram-se na prova exemplarmente documentados. Era vê-los munidos de pastas de apontamentos e argumentos afinados na ponta da língua, mostrando trabalho de casa bem feito. Se a irmandade fosse financiada pelo Estado, no próximo Tonel alguns levariam assessores!
Em prova, por ordem de classificação, apresentaram-se os seguintes vinhos: Corga Touriga Nacional 2011 e Quinta da Fata Reserva 2011 (1º lugar ex aequo, 75 pontos), Chão da Quinta 2011 (3º lugar, 73 pontos), Quinta dos Carvalhais 2010 (4º lugar, 72 pontos), Quinta da Vegia 2010 (5º lugar, 64 pontos, Fuga - Casa da Passarela 2011 e Ribeiro Santo Reserva 2011 (6º lugar ex aequo, 62 pontos e a distinção vinagre para o aristocrático Quintas de Saes, 2011, Estágio Prolongado (58 pontos). Este último terá sido a desilusão da noite!
 
Fim de boca (dissertações)
A irmandade não prova vinhos só porque sim, fá-lo com um intuito bem claro. Se em primeira instancia o objectivo é avaliar 8 vinhos em cada prova, num momento subsequente pretende esta congregação elaborar pensamento crítico sobre os perfis, caminhos e tendências do Vinho. O crescente fenómeno da adocicação, perfumação e sobretudo de madeirização dos vinhos não nos tem passado ao lado. Neste Tonel, dois vinhos revelaram-se, na nossa opinião, bons representantes dessas tendências, a saber -  O vinho Quinta de Saes (vinagre, 58 pontos) que apresentava carácter fortemente perfumado, escondendo aromas mais vinhosos ou vegetais e o Chão da Quinta (3º lugar, 73 pontos), que revelava sobretudo notas florais, doces e pronunciadas notas de barrica. Na prova, se a irmandade foi severa com o primeiro, já relativamente ao segundo foi bastante contemplativa, atribuindo-lhe o honroso 3º lugar. Afinal, talvez os produtores tenham razão – É de madeira e de notas doces que elas e eles gostam mais!
E por falar em doces, no cair do pano, serviu-se um irrepreensível arroz doce à moda de Coimbra, acompanhado por um poderoso Croft Porto Vintage 2012. Nunca Pior!
Agradeça-se a hospitalidade do irmão Nelson.
 
Irmandade dos Tonéis
Fundada em 2000, por vinhos de um cabrão