segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Ode ao Dão



Ao longe vislumbra-se, por fim, a torre da igreja de Vila Nova de Tazém. Estamos a chegar! Digo em jeito de alívio. A viagem foi mais rápida que o habitual. São 9h15m.
Nos primeiros tempos Vila Nova pertencia a um fidalgo de Folgosinho. Anos mais tarde passou a chamar-se Vila Nova de Ribamondego. Seguia-se Vila Nova de Novelanes e depois Vila Nova de Santa Maria Cêa, a qual pertencia a um bispo de Coimbra, que mandava na Igreja.
Em 1884 passou a chamar-se Vila Nova do Casal. Quando começou a pertencer ao concelho de Gouveia mudou o nome para Vila Nova de Tazém, tal como hoje ainda se chama.
As primeiras casas de Vila Nova situavam-se num lugar chamado Çafail.
Vila Nova de Tazém situa-se entre o sopé da Serra da Estrela, na parte ocidental, e a margem Sul do rio Mondego. É sem dúvida, a mais importante freguesia do concelho de Gouveia.
Estamos na Quinta da Negrosa, são 9h30m! Esta é uma das quatro propriedades reservadas à produção de vinho pertencentes à mesma família. No total são cerca 8 hectares de vinha com 15 anos, onde encontramos exclusivamente as castas tradicionais da região - Touriga Nacional, Tinta Roriz, Jaen e Alfrocheiro para as castas tintas e Encruzado a dominar o encepamento nas castas brancas.
Aqui estão sedeados importantes produtores do Dão, à cabeça, o mediático Álvaro de Castro com as marcas Qta de Saes, Qta da Pellada, Pape, Dado, etc. Também aqui a Aliança produz um dos seus melhores vinhos, o reconhecido Qta da Garrida -Touriga Nacional. A Sogrape tem nesta região algumas propriedades e uma importante adega, onde são vinificados os tradicionais Grão Vasco ou os elitistas Qta dos Carvalhais. Mais ao lado, em Carregal do Sal está sedeado aquele que é hoje o maior produtor do Dão, a Dão Sul.
Marcas à parte, esta região é ainda dominada pela pequena propriedade, pelos pequenos produtores e pelas adegas cooperativas, com tudo o que isso tem de mau e de bom.
A região do Dão é reconhecida por muitos como a região por excelência dos vinhos tranquilos em Portugal e a casta Touriga Nacional plantada nestes terrenos graníticos como a casta com maior potencial para a produção de vinhos tintos de excelência.
São 14h30, a fome já turva a vista, o desgaste e o cansaço são apenas afugentados pela maravilhosa contemplação dos muitos poceiros de uvas que ficaram para trás das castas Jaen, Tinta Roriz e da demorada Touriga Nacional.
O Senhor Celso, o responsável pela viticultura da quinta, admira a nossa abnegação, reconhece a nossa paixão pelo vinho e oferece-se para ir marcar o almoço na Vila.
Fomos servidos em grande estilo pelo Zé Preto, no seu restaurante como o mesmo nome. O Zé é uma figura tímida mas simpática, fez vida pelo mundo e voltou à terra onde passou grande parte da infância para marcar pontos na gastronomia regional, ainda que marcada pelas suas origens africanas. Serviu-nos para entrada uma original sopa de gengibre e para finalizar um faustoso Javali assado no forno. Tudo isto muito bem regado pela casta rainha da região – a Touriga Nacional pois claro!
Saciados na alma e no estômago regressamos a casa cheios de vontade de voltar àquela terra de vinhas e granito e dos sopros frios da serra.
Enfim, mais um dia longe do ruído sugador dos casos clínicos e das estórias de vida vazias, daqueles que elegeram o vazio como refugio.
Amanhã voltarei à droga, hoje refugio-me no vinho e no Dão.
Ao longe ainda reconheço a torre da igreja!

domingo, 28 de setembro de 2008

A profecia de Goethe


Publiquei antes das férias o texto “Quem morre” de Pablo Neruda. É um texto perturbador, chocantemente simples, que chama a nossa atenção para os males da alienação, que apela à descomplicação, à desconstrução das rotinas e elege o medo, o pessimismo e o racionalismo puro como males da vida moderna, remetendo-nos por outro lado para a simplicidade quase crua da nossa existência.
À medida que lemos o texto ele vai-nos fazendo sentir o quando nos afastamos das coisas simples da vida e nos vamos emulando no “ruído” infernal do dia-a-dia em nome de uma pretensa realização futura. Uma realização plena assente quiçá numa boa condição financeira, numa excelente carreira profissional e em mais não sei quantas coisas grandiosas. É em nome dessa expectativa que nos vamos afastando do essencial e das coisas simples. Acreditamos cegamente que essa concludente vitória final nos conduzirá à felicidade plena. Tudo o que é pequeno ao pé dessa brutal felicidade é insignificante e como tal desvalorizado. As pequenas coisas, as pequenas satisfações, as pequenas alegrias, as pequenas felicidades do dia-a-dia, essas passam-nos simplesmente ao lado.
A verdade é que começamos por idealizar tudo e passamos o resto da vida à procura de o concretizar. Frequentemente não nos aceitamos como somos, escondemos as nossas fragilidades - não vão os outros aproveitar-se delas e passamos o tempo a fazer de conta que somos fortes... e muito competitivos! Mostramos o que não somos, temos medo de parecer o que somos! Vivemos de forma incongruente!
É pois em cada gesto, em cada momento da vida que devemos buscar as pequenas porções de felicidade e abdicar de uma vez por todas da procura dessa felicidade em dose única, da qual não temos qualquer prova da sua existência.
Dormir na praia no entardecer, despedir-se da tarde em boa companhia com umas conquilhas ao Bolhão Pato regadas com um branco frutado enquanto o sol se esconde, jantar com amigos, conversar na companhia de um bom vinho tinto, partilhando, contemplando... são exemplos de prazeres simples que um simples mortal não deve dar-se ao luxo de desperdiçar!
Essa procura da felicidade em dose total é pois um enorme equivoco e com certeza responsável pela toma de muitos comprimidos que a industria farmacêutica generosamente põe ao nosso dispor. Vivemos numa sociedade em que todos temos de ter sucesso, ser bonitos, magros e felizes, é proibido sequer sentir-nos tristes.
De facto ou mudamos de vida, ou mais tarde ou mais cedo iremos tornar este mundo num enorme hospital cumprindo assim a profecia de Goethe.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Quem morre?


Este texto não fala de vinho, mas só por mero acaso. Poderia falar...

Quem morre?

"Morre lentamente
quem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajectos, quem não muda de marca.
Não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente
quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente
quem evita uma paixão,
quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho de emoções,
justamente as que resgatam o brilho dos olhos,
sorrisos dos bocejos,
corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente
quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
quem não se permite pelo menos uma vez na vida,
fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente
quem não viaja,
quem não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente
quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente,
quem passa os dias queixando-se da sua má sorte
ou da chuva incessante.
Morre lentamente,
quem abandona um projecto antes de iniciá-lo,
não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves,
recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior
que o simples facto de respirar. Somente a perseverança fará com que
conquistemos
um estágio esplêndido de felicidade."
Pablo Neruda

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Um país esquizofrénico?



Vivemos desde sempre com a ideia que o interior deste país se transformaria mais tarde ou mais cedo num enorme deserto. Ao longo destes muitos anos habituamo-nos à ideia de ver partir novos e velhos nascidos nestas zonas mais remotas, isoladas e profundas de Portugal. É vê-los partir para outras paragens à procura das oportunidades que o seu próprio país lhes negou. Nestas cidades, vilas e aldeias, da agricultura, da indústria, apenas restam memórias doridas.
Quem diria! Um pais que recebeu milhões para combater as assimetrias regionais, um pais que construiu dez estádios para o Euro2004, mas que queria construir doze, um país que sonha realizar jogos olímpicos e mundiais de futebol, um pais que quer o TGV e novos aeroportos, um país que tem alguns dos gestores mais bem pagos do mundo!
Um país de vaidades, de políticos ambiciosos de passam da esfera governativa para o conselhos de administração de empresas privadas e vice-versa como quem troca de camisa.
Será este o mesmo país onde pessoas começam a ter com fome? Onde os governantes nos pedem paciência e nos asfixiam com impostos e nos pedem que paguemos ainda mais impostos em nome da consolidação do défice? Será este o mesmo país onde nos cobram nas facturas da EDP a delirante contribuição audiovisual pelo valor de 3.42 Euros, mesmo que seja um contrato para uma capoeira de galinhas???
Este é o mesmo país onde a clientela dos aparelhos políticos é grande e vive muito bem. Este é o país das assimetrias, sejam elas regionais, na distribuição da riqueza, no acesso a oportunidades, no acesso à saúde, à educação, etc.
Há fome em Portugal e vai haver mais. O "negócio", esse, vai de vento em popa para os conselhos de administração e accionistas das Galp´s das PT´s, para os Boys dos aparelhos partidários, para as fundações Berardos, Soares e Cª. Mas nem tudo é mau! Ao preço a que estão os combustíveis - eis que surge agora uma oportunidade de ouro para combater de vez a desertificação e a interioridade! É certo que a maioria de nós vive demasiado longe da fronteira para se poder abastecer de combustíveis em Espanha. Nada mais fácil. Aproveitemos a oportunidade e mudemo-nos para o interior. E se a coisa assim continuar, mudemo-nos definitivamente para Espanha!!!

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Acabou-se o sonho!

Acabou-se o sonho! Portugal está fora do europeu! Confesso que desta vez não me entusiasmei o suficiente. Parece que o país também não. Este tipo de competições tem habitualmente um poder embriagador e hipnotizador sobre os portugueses. Esquecemos-nos durante uns dias que a vida está má, que o preço dos combustíveis nos asfixia, que as taxas de juros nos chupam até ao tutano, que temos uma classe politica medíocre, que temos os Albertos João, os Valentins, os Isaltinos e outros que tais.
Desta vez não! Desta vez os portugueses não saíram apenas para agitar bandeiras e gritar por Portugal, desta vez gritaram também por justiça social, por uma melhor distribuição da riqueza, por medidas compensatórias, ou não fosse Portugal também o pais dos subsídios. Desta vez vieram para a rua os camionistas, ficaram em terra os armadores, perdão os pescadores! Gritaram também os produtores de leite, os agricultores e tivemos até um buzinão.
Se o governo pensava que ia ter descanso enganou-se, se pensava que íamos ser campeões europeus e que podia folgar até final do mês enganou-se!
Os portugueses têm traços maniaco-depressivos. Descem da euforia à desgraça em segundos. Amanhã vão dizer mal do arbitro, do Scolari, vão criticar o pobre do Ricardo e o triste do Paulo Ferreira. Vão acordar e dizer que isto está uma merda, que este país é uma merda, que têm uma vida de merda! E não é que têm razão!!!!

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Baco e o "Terroir"

"... Jupiter tomou então das cinzas o feto (Baco) ainda no sexto mês e meteu-o dentro da barriga da sua própria perna, onde terminou a gestação.
Ao tornar-se adulto, Baco apaixona-se pela cultura da vinha e descobre a arte de extrair o suco da fruta." in mitologia grega.
Parece que Baco foi o primeiro enólogo do universo. Que vinho faria Baco? Um Nectar dos Deus? eih... Mauzito? Aposto que sim. Como poderia ele fazer um vinho bom sem pesticidas, fungicidas e ervicidas e produtos enológicos? Teria Baco carvalho françês, leveduras seleccionadas, enzimas, alimentos para leveduras, controlo de temperatura, sulforoso e acido tartárico? e tostas aromatizadas? Talvez não!!!
Os defensores da biodinâmica aplicada às vinhas afirmam que existe menos vida numa vinha de Bordeaux, que no deserto do Saara. Porquê? Porque os pesticidas e afins matam toda a fauna e flora das vinhas, deixando com o passar dos anos apenas videiras debilitadas e pó seco. Depois na adega vêm os produtos enólogicos, iguais em todo o mundo que completam o ramalhete. Resultado? Vinhos normalizados, standarizados, bairradas tipo alentejo, alentejamos tipo bairrada, etc..., tudo com muita madeira e alta tecnologia. Vinhos ao gosto do mercado, onde o conceito de "terroir" se esbate e o vinho assume o seu papel de verdadeiro combatente nas prateleiras dos hipermercados.
"O ENÓLOGO CERTIFICA-SE QUE A NATUREZA SE VAI EXPRIMIR, COM A MAIOR CLAREZA POSSÍVEL, DENTRO DO COPO" (Andrew Jefford)

Será? Na maioria dos casos penso que não! Infelizmente. Mas existem excepções?
Felizmente muitas! Muitos vinhos aqui e no mundo respeitam o conceito de terroir, onde terra, clima e castas se combinam em verdadeira harmonia gerando grandes vinhos, verdadeiramente únicos. Estes aparecem no mercado a preços proibitivos é certo, mas são verdadeiros nectares do Deuses.
Note-se que em portugal nos últimos tempos têm aparecido alguns fenómenos interessantes. Existem já vinhos sem qualquer estágio em madeira e alguns enólogos trabalham apenas com leveduras indígenas. É um sinal que algo começa a mudar. O consumidor, o verdadeiro regulador do mercado, começa a enjoar tantos vinhos parecidos, produzidos aqui, no Chile, na Austrália, no Alentejo ou na Conchichina.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Apresentação

Baco era o filho do deus olímpico Júpiter e da mortal Sêmele. Deus do vinho e da folia, representava seu poder embriagador, suas influências benéficas e sociais. Promotor da civilização, legislador e amante da paz. Líber é seu nome latino e Dioniso é seu equivalente grego.