quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Je suis banqueiro


Acabo de comemorar cinquenta anos de vida. Ainda que inicialmente hesitante, não posso, em nome da minha honestidade intelectual e após apurada reflexão, deixar de fazer um balanço deste meu primeiro meio seculo de vida. Começo hoje pela análise do capítulo financeiro, deixando para textos posteriores outras análises, como sejam a análise exaustiva da minha participação cívica e dos meus papeis sociais, da análise psicanalítica do meu “eu”, do meu “eu idealizado” e por fim, a esperada análise da minha extraordinária e tórrida vida amorosa e sexual.
Mas comecemos então pela massa. Vejo-me aos cinquenta anos senhor de robusto património! Fruto de muito trabalho, é certo! A primeira pedra e a chave deste sólido edifício financeiro foi a feliz decisão de participar há uns anos no capital financeiro do BPP – Banco Português de Negócios, gerido por um tal Rendeiro, amigo do Cavaco.
Depois já se sabe como funciona o mundo dos negócios, quando descobrem que um gajo tem massa nunca mais nos largam, aquilo são só sorrisos, abraços e palmadinhas nas costas. Ele são convites para almoços e jantares em casa dos Salgados, férias na Comporta com as tias, chás em casa do Oliveira e Costa, convites para casamentos dos filhos, baptizados dos netos, entronização na maçonaria, convites para umas charutadas, convites para participação em fundos de investimentos de alto rendimento e acções em bolsa, convites para uns jogos de golfe, convites para isto, convites para aquilo e até convites para a puta que os pariu. Uma chatice! Tinha um gajo uma vida simples e pacata e de repente lá se foi a tranquilidade.
A verdade é que com tanta mordomia lá me convenceram a nova incursão no mundo da banca – entrei no capital social do BPN dos amigos do Cavaco, hesitei inicialmente, mas aquela malta é bestial, todos uns fanfarrões, tudo gente de bem e sempre ouvi dizer - junta-te aos bons e será melhor que eles.
Resultado? Mais meia dúzia de jantares, conversa puxa conversa e recentemente lá entrei também no capital do BES. É assim, não há duas sem três!
Mas a vida é mesmo assim - uma vez banqueiro, banqueiro para toda a vida e isto do dinheiro é bicho danado que não pára de morder e então lá vai disto – acabo de entrar também no capital social do Banif, dos amigos do cavaco.
Agora, rico como um porco, tudo isto me parece ainda mentira. Faz-me lembrar a subida a pulso da Isabel dos Santos ou dos meus colegas Duarte Lima e Dias Loureiro, também amigos do professor. Se o cavaco Silva fosse vivo haveria de ficar contente pela ascensão meteórica dos seus queridos amigos e quem sabe de mim também!
Mas esta merda de ser rico não pensem que é um mar de rosas e só deus sabe o que tenho passado. É que para além de um gajo ter de andar sempre com o taco na mão de buraco em buraco, ainda tem que aprender a falar com os lábios repuxados como as tias. Uma massada!
Ora, num país de feroz combate ao enriquecimento ilícito e à corrupção como o nosso, um triste banqueiro como eu nem disfruta da fortuna com tranquilidade e tem de tomar medidas de ocultação de riqueza.
Desta forma, para não dar nas vistas decidi levar diariamente  a marmita para o trabalho como o professor Marcelo, com os  restos de comida do dia anterior, que isto de comer em restaurantes todos os dias dá nas vistas como o caraças e estão sempre a importunar um gajo com pedidos, conselhos acerca da banca ou dicas sobre investimentos aqui e ali.
Assim um gajo come mais descansado, traz umas sobras de cozido com uns enchidos, uns restos de favas com chouriço ou massa com fiambre, aquece no microondas e come tranquilo na cantina do serviço na companhia de outros colegas capitalistas.
Nas férias alguma discrição também não é demais, nada de viagens de avião para paraísos exóticos ou hotéis de luxo. Nada disso que o seguro morreu de velho e umas idas às praias fluviais da região sempre dão menos nas vistas.
As minhas viaturas, sabiamente, são as mesmas da década de noventa, tudo carros clássicos e bem estimados que ainda fazem mais quinhentos mil quilómetros, atados com uns arames aqui e ali.
Dinheiro quase não uso, ando sempre de carteira vazia não vá um gajo ser assaltado por outro banqueiro qualquer também esfomeado.