domingo, 26 de novembro de 2017

Plantar uma árvore, ter um filho, escrever um livro… fazer “o vinho”!


Farei um esforço para que este texto não cheire a presunção, não seja profundamente egocêntrico, narcisistas e cagão. Não é fácil tratando-se de quem se trata. Mas vamos lá…

O título deste post não deve ser lido apenas no seu significado literal! Caso assim fosse teríamos, nessa superficialidade, apenas acesso ao lado robótico e materialista da questão! Devemos pois, em nome da boa análise, expandir a nossa interpretação englobando nela as nossas mais profundas intuições, as nossas crenças, as nossas influências, as nossas intenções, os nossos medos, as nossas angústias, os nossos desejos mais secretos, as nossas qualidades e defeitos. Os nossos pecados!

Então, a nossa árvore, os nossos filhos, os nossos livros serão a expressão do nosso mundo espiritual, introspetivo e consciente. Serão a expressão do propósito da nossa existência, um desenho para a vida. O nosso desenho. Um desenho que seja eterno até que a vida se nos apague!

Sendo assim, não quero fazer um “Vinho”! Quero fazer o “Vinho”! O vinho que pudesse ser inscrito no meu cartão de cidadão! Que expresse uma identidade profunda, uma filosofia, que seja autêntico nas suas qualidades e nas suas arestas. Sim, porque os grandes vinhos não são redondinhos e bem acabadinhos. Os grandes vinhos resultam de condições limite e por vezes adversas, são filhos de anos atípicos, de condições climatéricas atípicas, de produtores atípicos! Os vinhos monumentais são como as pessoas monumentais! Atípicos!

Os grandes vinhos transportam a expressão única do local onde foram feitos, expressam a coerência, o fervor, as expectativas e as dores do seu artesão. Têm uma marca de água… são inconfundíveis!

O engarrafamento era para começar às nove em ponto! Não começou! Tive a ajuda de dois velhos amigos e companheiros destas andanças, o Zé Mário Carvalho e o Miguel Carvalho – dois bons car..valhos, é o que eles são! E por falar em carvalhos, todos os vinhos engarrafados estagiaram 12 meses em barricas recondicionadas de carvalho francês.

Em cada garrafa que se rolha, em cada último impulso no engarrafador, sublinha-se a esperança que o tempo, esse mestre do acabamento, aprecie o nosso trabalho e sobre ele faça magia – a magia de transformar o nosso suor, as nossas dores e por vezes as nossas lágrimas, num néctar que nos encha a alma e que nos eleve ao Olimpo.

Cada garrafa que se arruma sela um ciclo. Um ciclo que começou um ou dois anos antes na vinha com a poda, empa, escavação das cepas, nutrição, tratamentos, desladroamento, desfolha, vindima e finalmente a vinificação. E muitas dores! O nosso trabalho enológico acaba no exacto momento em que o vinho por fim entra em cada garrafa. Depois nada mais há a fazer a não ser esperar… sentado! É que nestes tintos feitos com uvas da casta poeirinho (baga) de vinhedos antigos com idades entre os 70 e os 100 anos, tudo é feiro devagar e a espera é obrigatória. Ao contrário dos tempos que correm!
É que a Baga, também chamada por aqui de poeirinho, é capaz de tudo. Se mal trabalhada na vinha e na adega é capaz de fazer vinhos tão ácidos, delgados e frios que são capazes de nos provocar um arrepio pela espinha acima. Ao contrário, se as uvas tiverem origem em boas vinhas, com boa exposição solar e se bem trabalhadas na vinha e na adega são capaz de originar vinhos monumentais, que se podem beber por 20 ou 30 anos!

Os vinhos baga são vinhos tânicos, ainda que, paradoxalmente, sejam por regra ligeiros de cor. Apresentam uma longevidade invulgar e pouco expectável para um vinho de mesa e em alguns casos tornam-se lendários, irrepetíveis e com carácter absolutamente raro. Os grandes tintos da casta baga nos primeiros anos de vida mostram sobretudo aromas de vinificação. Dos três aos cinco anos parecem fechar-se um pouco, para a partir dai explodirem em aromas de fruta preta e vermelha bem madura, de frutos silvestres macerados, tabaco, com final de boca fino e especiado, leve vegetal e aromas terrosos muito pronunciados! Têm frequentemente um nariz muitíssimo perfumado e balsâmico, com sugestões de violeta. São vinhos únicos!

O primeiro vinho engarrafado, a que chamamos “Penicas Vinhas Velhas” entra neste perfil de vinhos de espera. Foi vinificado em 2016 maioritariamente com uvas da casta poeirinho de uma vinha situada em Casais de S. Clemente com cerca de 70 anos, a que juntamos 1% de uvas brancas da casta maria gomes da mesma vinha e complementamos o lote com 20 % de touriga nacional da vinha da Penicas e 15% de uvas da casta tintureira Grand Noir de uma vinha muito velha situada na aldeia de Vila Seca. Ainda que a carecer de estágio em garrafa, prevalecem no nariz intensas notas aromáticas de chocolate negro e especiarias!

O segundo vinho a entrar nas garrafas foi vinificado em 2015 e teve 2 anos de estágio em barrica. Feito em exclusivo com uvas da casta baga da vinha quase centenária de Casais de S. Clemente. Apresenta prenunciados aromas balsâmicos e surpreendentes notas salinas. Chamamos-lhe “Penicas Baga 2015”

O terceiro vinho não estra neste perfil de vinhas velhas. Resultou de uvas da Vinha das Penicas, vinificado em 2016 com as castas Touriga Nacional – dominante no lote e ainda Tinta Roriz, Sirah, Merlot e Calladoc. É uma vinha com cerca de 10 anos, situada bem mais próximo do mar e origina vinhos tipicamente bairradinos, mais minerais e frescos. Dá pelo nome de “Vinha das Penicas 2016”
Por fim misturamos os 3 vinhos anteriores e obtivemos um vinho a que chamamos “Penicas blend”! E que pretende ser a súmula de todo o trabalho que realizamos ao longo destes dois últimos anos.

E pronto agora vamos dormir, até à poda, e esperar até 2020 que o tempo trabalhe! Se eu já não estiver por cá, as garrafas estão na minha garrafeira, logo à direita dentro da manilha!

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

A Invasão do Profano

Conheceram-se na faculdade de direito. Durante cinco belos anos namoraram, partilharam boémias, dividiram irresponsabilidades, gastaram mesadas, beberam e foram felizes. Muito felizes. Juraram união e amor para sempre. Acabaram os cursos, montaram escritório conjunto, viajaram, compraram casa e bons carros e viveram felizes. Durante seis meses! Período ao fim do qual decretaram incompatibilidades inultrapassáveis. Divorciaram-se sem apelo!

Este poderia ser um bom exemplo daquilo a Zygmunt Bauman, sociólogo polaco que nasceu em 1925, denominou de liquidificação dos tempos, nas obras “society Liquid”, “Liquid Modernity” e “Liquid Love.

Terá sido o capitalismo a determinar este aceleramento dos tempos e do "passo social" ao impor a influência ou predomínio económico ou político do capital. De facto o capitalismo criou novos objectos e as pessoas criaram novas necessidades para os adquirir. Criou mais novas necessidades e mais objectos para as satisfazer e criou sobretudo a ideia de que quanto mais se trabalhasse a mais objectos se poderia aceder. A quantos mais objectos se acedesse maior conforto e felicidade se alcançavam e mais objectos se poderiam ter. Através desta perigosa crença, o capitalismo procedeu a uma reconfiguração social e económica das sociedades. Reconfigurou as relações.

Zygmunt Bauman, traz esta pespectiva de liquidez como a marca de água dos nossos tempos, conceito, que segundo ele, se pode aplicar transversalmente às novas manifestações dos sentimentos, ao consumismo, à globalização e que implica o desmoronamento das ideologias, dos valores e dos princípios.

De facto hoje assistimos ao predomínio e ao triunfo da pulsão e do gozo, sobre os ideais. Acabou-se o tempo de espera – tudo tem que ser para agora. Instantâneo! E se o não for gera frustração, à qual respondemos com intolerância. Perdeu-se o registo do simbólico, da fantasia e do sonho. Vive-se no registo do concreto – eu quero, logo tenho!

A procura do gozo e da satisfação é constante. Insaciável! Se os animais irracionais têm uma programação genética prévia e se guiam por instintos inscritos no seu ADN que tendem a asseguraram a sua sobrevivência, nós vivemos ao sabor do impulso e do gozo, fugindo sempre que podemos à dor emocional e à frustração, que deveriam ser justamente o motor do crescimento. É que sem dor e sem tolerância à frustração não há crescimento interno!

Nesta procura acelerada e desesperada, nesta pulsão constante nada se cria de verdadeiramente novo, pelo contrário, é na repetição que se procura o gozo – no sexo, no jogo, nas compras, nas relações superficiais, inconstantes e promiscuas, nos consumos de álcool e de outras drogas. Tudo se torna efémero, superficial e descartável.

Verificou-se um declínio dos valores e dos princípios, da ética e da moral. Os papéis sociais e as relações perderam solidez. Destruturaram-se as famílias. Eclodiram novos modelos familiares – monoparentais, homossexuais, perdeu-se a concepção de família com contexto relacional por excelência. Diluiu-se a autoridade da figura paternal. Esbateu-se a norma e a lei. Inverteram-se papeis - Os filhos mandam nos pais. Os alunos desesperam os professores! Perdeu-se o conceito de autoridade. Tudo flui, tudo se liquidifica!

A ideia de uma sociedade líquida ganhou assim o poder e configurou a nossa época. Assistimos ao triunfo da fluidez, do precário, do transitório, do permeável e do que não se deixa apreender, onde os laços são tendencialmente momentâneos, frágeis e volúveis. As relações misturam-se e condensam-se num mundo cada vez mais dinâmico, fluído e veloz. Tudo se torna flexível!

Esta é a condição da sociedade em que vivemos em todas as suas dimensões, tanto estruturais como super-estruturais, tanto no plano material e económico, como no plano da vida afectiva e intelectual. Assistimos ao triunfo das relações virtuais, à ditadura dos iPhones, Smartfones, tablets, notebooks. Tudo vale para nos impedir de estarmos sós. Tudo serve para disfarçar o medo – o medo desta imensa solidão! O nosso medo!

A mercantilização do Panteão Nacional, o florescimento dos políticos e das politicas populistas ou a eleição do senhor Trump, poderiam ser apontados como outros exemplos daquilo a que Bauman designou por liquidação dos valores, dos símbolos, da ética e da moral.

Contrapõe-se assim, ao  recuo do simbólico, dos valores, dos ideais e das nossas crenças, a ofensiva do profano! A profanação da nossa Era!

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Ai, ai... fardas!!


As fardas intrigam-me! Vá um gajo a uma boa casa de alterne ou passe em frente a um qualquer quartel e é ver a efervescência que as ditas causam! Aquilo é um contorcer de pernas sem fim, parecem ter o efeito de um Alka-Seltzer num copo de água. É uma vertigem, uma obsessão!

Nas casas de strip-tease, eles fardados de policias, oficiais da marinha, comandantes de avião ou de bombeiros,  em cima daquela armadura que parece mesmo pele verdadeira, com abdominais perfeitos que quase enganam as mais distraídas. Toda a gente sabe que aquilo é PVC manipulado, encaixado em cima da pele flácida. Elas vestidas de enfermeiras, hospedeiras de bordo ou professorinhas de uniforme colegial, cabelo apanhado e óculos. É um cenário untuoso, fisgas canhoto, que arrepio!

Fardas de comissários de bordo também são escolhas frequentes e costumam agitar o universo feminino. Deve ser por andaram nas nuvens, porque no fundo não são mais que  empregados de mesa que andam pelos ares! Mas elas adoram andar pelos ares! Fardas e nuvens é a conjunção pecaminosa, o disparate completo! Mas há profissões que são completamente anti-tusa. Já viram algum stripper vestido de jornalista, padeiro, coveiro, contabilista ou motorista de autocarro? Não viram pois não? Bem, só se for o fulano do “pica do 7”!

Nos tempos que correm se um gajo anda à civil não tem hipóteses. O único uniforme civil capaz de fazer tocar a campainha no cérebro delas é o smoking, mas elas estão formatadas para tipos como o David Beckam ou o George Clooney e com azar ainda somos confundidos com um empregado de mesa de um bar,  e  corremos o risco de nos pedirem uns croquetes e mais uma garrafa de branco bem fresco!

Mas voltando ao fetiche, que raio pode explicar tamanha lambarice por fardas, sobretudo nas mulheres?  Será porque as fardas vestiram os grandes heróis, reais ou ficcionados,  homens bravos e corajosos, figuras de comando, símbolos de autoridade, poder e proteção? Será pela representação da lei, da sentença e do castigo?  Ai o castigo, esse tau-tau maroto! Será pelos apetrechos? Algemas, chicote, bastão ou espada? Será que apesar dos movimentos de liberação feminina, apesar da pílula, apesar da profissionalização etc., elas ainda sonham com um ombro musculado, forte e protector? Bem, é sabido que desde o tempo das cavernas, as fêmeas procuram os machos mais fortes para caçar mamutes e acasalar. A atração é também atávica, portanto.
Sendo assim, e porque a farda masculina é um fetiche e um homem fardado, condecorado com quilos de medalhas e armado com pistola ou espada, deixa de ser humano para se tornar um ícone de garbo, um símbolo de altivez, hombridade, inteligência, força e poder, tomei a única decisão inteligente neste contexto de luta pela sobrevivemcia – passarei doravante a envergar uma imponente e aparatosa farda pelo menos dois dias por semana!

Numa primeira fase, a que chamaria experimental, tipo projeto-piloto, apenas usarei farda aos fins-de-semana à noite! Sairei então todas as sextas à noite com belíssima e faustosa farda da marinha portuguesa, de um branco puro, ostentando a patente de Capitão-de-mar-e-guerra, pendurando sobre o nobre pano três quilos de medalhas adquiridas previamente nesse ícone da modernidade que são as feiras das velharias!

Alternadamente, aos sábados, vestirei sumptuosa farda de gala com o posto de brigadeiro-general do exército português de fazer salivar a mais fria das mulheres ao cimo da terra. Um gajo não se pode deixar ficar para trás!