Conheceram-se na
faculdade de direito. Durante cinco belos anos namoraram, partilharam boémias,
dividiram irresponsabilidades, gastaram mesadas, beberam e foram felizes. Muito
felizes. Juraram união e amor para sempre. Acabaram os cursos, montaram
escritório conjunto, viajaram, compraram casa e bons carros e viveram felizes.
Durante seis meses! Período ao fim do qual decretaram incompatibilidades
inultrapassáveis. Divorciaram-se sem apelo!
Este poderia ser
um bom exemplo daquilo a Zygmunt Bauman, sociólogo polaco que nasceu em 1925, denominou
de liquidificação dos tempos, nas obras “society Liquid”, “Liquid Modernity” e
“Liquid Love.
Terá sido o capitalismo
a determinar este aceleramento dos tempos e do "passo social" ao impor a influência
ou predomínio económico ou político do capital. De facto o capitalismo criou
novos objectos e as pessoas criaram novas necessidades para os adquirir. Criou mais
novas necessidades e mais objectos para as satisfazer e criou sobretudo a ideia
de que quanto mais se trabalhasse a mais objectos se poderia aceder. A quantos
mais objectos se acedesse maior conforto e felicidade se alcançavam e mais
objectos se poderiam ter. Através desta perigosa crença, o capitalismo procedeu
a uma reconfiguração social e económica das sociedades. Reconfigurou as
relações.
Zygmunt Bauman, traz
esta pespectiva de liquidez como a marca de água dos nossos tempos, conceito, que
segundo ele, se pode aplicar transversalmente às novas manifestações dos
sentimentos, ao consumismo, à globalização e que implica o desmoronamento das
ideologias, dos valores e dos princípios.
De facto hoje assistimos
ao predomínio e ao triunfo da pulsão e do gozo, sobre os ideais. Acabou-se o
tempo de espera – tudo tem que ser para agora. Instantâneo! E se o não for gera
frustração, à qual respondemos com intolerância. Perdeu-se o registo do
simbólico, da fantasia e do sonho. Vive-se no registo do concreto – eu quero,
logo tenho!
A procura do
gozo e da satisfação é constante. Insaciável! Se os animais irracionais têm uma
programação genética prévia e se guiam por instintos inscritos no seu ADN que
tendem a asseguraram a sua sobrevivência, nós vivemos ao sabor do impulso e do
gozo, fugindo sempre que podemos à dor emocional e à frustração, que deveriam
ser justamente o motor do crescimento. É que sem dor e sem tolerância à frustração
não há crescimento interno!
Nesta procura
acelerada e desesperada, nesta pulsão constante nada se cria de verdadeiramente novo, pelo contrário,
é na repetição que se procura o gozo – no sexo, no jogo, nas compras, nas
relações superficiais, inconstantes e promiscuas, nos consumos de álcool e de
outras drogas. Tudo se torna efémero, superficial e descartável.
Verificou-se um
declínio dos valores e dos princípios, da ética e da moral. Os papéis sociais e
as relações perderam solidez. Destruturaram-se as famílias. Eclodiram novos
modelos familiares – monoparentais, homossexuais, perdeu-se a concepção de
família com contexto relacional por excelência. Diluiu-se a autoridade da figura
paternal. Esbateu-se a norma e a lei. Inverteram-se papeis - Os filhos mandam
nos pais. Os alunos desesperam os professores! Perdeu-se o conceito de autoridade. Tudo
flui, tudo se liquidifica!
A ideia de uma
sociedade líquida ganhou assim o poder e configurou a nossa época. Assistimos ao
triunfo da fluidez, do precário, do transitório, do permeável e do que não se
deixa apreender, onde os laços são tendencialmente momentâneos, frágeis e
volúveis. As relações misturam-se e condensam-se num mundo cada vez mais
dinâmico, fluído e veloz. Tudo se torna flexível!
Esta é a condição
da sociedade em que vivemos em todas as suas dimensões, tanto estruturais como
super-estruturais, tanto no plano material e económico, como no plano da vida
afectiva e intelectual. Assistimos ao triunfo das relações virtuais, à ditadura
dos iPhones, Smartfones, tablets, notebooks. Tudo vale para nos impedir de
estarmos sós. Tudo serve para disfarçar o medo – o medo desta imensa solidão! O
nosso medo!
A mercantilização do Panteão Nacional, o florescimento dos políticos e das politicas populistas ou a eleição do senhor Trump, poderiam ser apontados como outros exemplos daquilo a que Bauman designou por liquidação dos valores, dos símbolos, da ética e da moral.
Contrapõe-se assim, ao recuo do simbólico, dos valores, dos ideais e das nossas crenças, a ofensiva do profano! A profanação da nossa Era!
Contrapõe-se assim, ao recuo do simbólico, dos valores, dos ideais e das nossas crenças, a ofensiva do profano! A profanação da nossa Era!
Sem comentários:
Enviar um comentário