terça-feira, 12 de maio de 2015

Esta Vertigem!


 
Talvez a vida não queira muito mais de nós que a capacidade de gerir esta incerteza que decorre da particularidade de vivermos neste limbo, nesta posição limite, na qual a vida e a morte coabitam paredes-meias. Viver nesta tensão, e apesar disso portarmo-nos como imortais até que a morte nos leve, é a nossa maior empreitada, o nosso desafio maior.

De resto a morte foi a maior invenção dos senhores do universo. Que outro sistema ou modelo é mais democrático, sem critérios de excepção? Se outro modelo fosse possível, rapidamente se instalaria um regime de excepção, cozinhado nas catacumbas da maçonaria, em que  só morreriam os tristes dos pobres, transformando o mundo num habitat exclusivo para ricos. Erradicava-se de vez a pobreza é certo, mas depois seria tudo uma grande chatice – Um mundo constituído por gordos a fumar charutos e a beber champanhe! Sem falar que os gajos acabariam por se comer uns aos outros!

Por outro lado, é a ideia de que um dia iremos partir que nos permite organizar. Tudo tem um tempo, a seu tempo. Se nunca morrêssemos, havia merdas que nunca faríamos. Com tanto tempo livre não teríamos pressa para nada! Tipo, uns casariam aos 15, outros aos 50, outros aos 125 anos! As festas de casamento pareceriam os concertos transgeracionais dos Stones! Assim não! Temos que acelerar, pois nunca se sabe se vamos ter o tempo que precisamos.

Portanto, a ciência da vida, se ela existir, é muito menos complexa do que o que parece – resumindo será viver o dia a dia, apesar da nossa finitude, e fazer desse quotidiano uma marca. A nossa marca! Construir dia após dia algo de verdadeiramente significativo, marcante e engrandecedor da nossa condição de animais efémeros. No fundo deixar a nossa pegada! Esclarecer, através desse percurso, como gostaríamos de ser lembrados pelos demais depois da nossa partida.

O que gostaríamos nós de ter inscrito na lápide da nossa sepultura? “Aqui jaz um gajo porreiro, amigo do seu amigo”, ou simplesmente “aqui jaz um camelo, um grande filho da puta”?

No meu caso, não tenho nenhuma pressa para morrer! Poderia até afirmar que se fosse alterada esta regra de todos terem um dia que falecer, eu próprio, que até conheço um gajo que conhece outro que é amigo do primo da mulher do presidente de um organismo que tutela estas merdas, meteria uma cunha para andar ai a passear os esqueleto pela eternidade! A fazer companhia aos ricos gordos! Mas não!

Então, sem tempo para enriquecer, só me resta a defesa intransigente de alguns pilares fundamentais à minha realização pessoal, a saber - a defesa do conceito e do valor da família, os valores e os princípios que me foram transmitidos pelos meus pais, a amizade em elevado grau de pureza e a construção de um sonho -  fazer vinhos. Isto claro está, para além de outras miudezas! Importa aqui, por agora, clarificar esta questão do vinho.

Esta aventura iniciou-se no concreto no ano de 2006 com a produção do meu primeiro vinho a que chamei “Primeira Água”, a partir de uvas compradas na região do Dão. Mas se o primeiro vinho apenas surgiu nessa altura, ele só foi possível, porque vinha crescendo em mim, desde há alguns anos, um chamamento, um apelo pela terra.

O vinho é assim apenas a expressão de um sonho mais amplo - percorrer esse caminho de regresso àquilo que é mais genuíno, mais ancestral na minha própria história - A relação com a terra e com os seus produtos. Um mundo tão duro quanto mágico!
 
 
A plantação da Vinhas das Penicas em 2007, pequena propriedade junto ao Palácio de S. Marcos, na freguesia de S. Martinho de Árvore, no concelho de Coimbra, concretizou pois esse ansiado regresso às origens, às minhas memórias mais primárias. Conjugar o contacto com a terra com a produção de vinhos é neste momento um desafio.

Mas que vinho produzir? Como fazer para agarrar nesta paixão e colocá-la dentro de uma garrafa? E o resultado dessa paixão, como o fazer chegar e dar a conhecer a outras pessoas?

Bem a primeira condição é que seja uma produção necessariamente pequena, de nicho, mas que seja marcante, sem concessões a uma filosofia de vinhos de terroir, que marquem a diferença pela autenticidade. Que sejam vinhos de “sítio”, que representem uma ideia, que tenham carácter único, que se façam ali, naquela vinha e em mais lugar nenhum. Irrepetíveis portanto! E claro, a segunda condição e não menos importante – que tenha qualidade reconhecida.

Cansado, como muitos outros apreciadores, do perfil massificado da maioria dos vinhos actuais, tecnológicos, para beber novos, muitos encorpados e alcoólicos, no estilo “fruit bomb”, necessáriamente pouco frescos e amiúde chatos e pouco gastronómicos, defendo vinhos com uma matriz de identidade assente num carácter marcadamente indígena. De intervenção mínima! No fundo preconizo muito trabalho na vinha, pouco na adega!

Vinhos de produção muito limitada, micro vinificações portanto, elegantes, tânicos, longevos, para consumir apenas depois dos três ou quatro anos de idade. Vinhos com carácter, que transmitam os aromas da terra, pronunciadamente minerais, frescos e moderadamente extraídos e alcoólicos.

Nos últimos anos tenho vindo a prestar especial atenção ao carácter dos vinhos da Bairrada, com especial enfoque para os grandes tintos feitos a partir da casta Baga. São vinhos autênticos e que me têm enchido as medidas e que representam na essência esse apelo à autenticidade.

A aquisição de uma vinha este ano, quase centenária, plantada com a casta Baga, lançar-me-á na procura desse tal vinho! Espero pois, dar aqui neste espaço o testemunho desta aventura, desta procura do vinho da minha vida!

Boa vida, bons vinhos!

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