quarta-feira, 22 de julho de 2015

Ouro bebível

Os números não deixam dúvidas, a tendência de crescimento do consumo mundial de espumantes é cada vez mais evidente. Ao longo dos últimos dez anos, a procura cresceu 30%, para 17,6 milhões de hectolitros em 2013. Os principais produtores vigiam-se de perto, num subsector em mutação acelerada e cada vez mais competitivo.


A França continua a liderar o ranking mundial de produção, mas a sua importância relativa no cenário global está a diminuir e o primeiro lugar apresenta-se mesmo sob ameaça da Itália, já com 18% da produção mundial, enquanto a Alemanha vem a seguir com cerca de 15%. Rússia e Espanha repartem o quarto lugar.

Apesar dos quatro gigantes europeus do sector, França, Itália, Alemanha e França, serem ainda responsáveis por quase dois terços da produção mundial (63%), a verdade é que a sua importância diminuiu consideravelmente, representavam 74% em 2003, e há a registar verdadeiras explosões de produção em vários países no decorrer do último dez anos. Os EUA registaram um crescimento de 25%, a Austrália 29%, a Rússia duplicou a sua produção e a Argentina registou um acréscimo de 200% nesse intervalo de tempo. Números impressionantes, mas superados pelo campeão do crescimento, o Brasil, onde em 2013 se produziu 248% mais espumante do quem 2003.

Em Portugal, os espumantes ainda são maioritariamente de consumo episódico: nas festas de Natal e do Ano Novo, na Páscoa, nos casamentos, baptizados e aniversários. Mas existem indicadores seguros que anunciam um aumento importante dos selos de certificação e as lojas e garrafeiras reportam números cada vez mais robustos relativos à venda do vinho com bolhinhas.

Acredito que na base desde sucesso está sobretudo, a qualidade dos espumantes actuais. Longe vão os tempos em que só os vinhos inferiores, normalmente brancos e tintos inicialmente pensados para fazer vinhos maduros, se destinavam, por falta de qualidade, à produção dos espumantes. Hoje, só quem estiver muito desatento não terá percebido a notável transformação qualitativa dos espumantes nacionais ao longo dos últimos anos. Na base dessa revolução estão vários factores, relacionados com a vinha e com a adega. Castas enologicamente mais aptas para o fim em vista, como Arinto, Chardonnay e, cada vez mais, variedades tintas vinificadas em branco, como Pinot Noir ou Baga, a procura de uvas de zonas mais frescas ou colhidas mais cedo, a utilização de melhores prensas, leveduras adequadas, temperaturas mais baixas e estabilizadas nas fermentações e, acima de tudo, a consciência por parte dos produtores de que este é um produto nobre e adiciona mais valias importantes. Tudo isso contribuiu decisivamente para imagem muito positiva da actual qualidade dos espumantes portugueses.

Os espumantes adequam-se a qualquer hora do dia e a todas as circunstâncias da vida. O enorme leque de espumantes existentes no mercado, desde os brancos e rosés, passando pelos tintos e acabando nos brancos vinificados a partir de uvas tintas, sobretudo da baga e pinot noir, oferecem uma solução de harmonização gastronómica ajustada a qualquer prato, a qualquer companhia, a qualquer circunstância. Os espumantes podem acompanhar quase todas as refeições, das entradas à sobremesa. São um exemplo de polivalência, um vinho admirável sob os mais diversos pontos de vista.

Esta democratização do consumo de espumantes tem também revelado fenómenos curiosos. O primeiro deles é o aproveitamento por parte dos produtores da enorme aceitação e aptidão gastronómica dos espumantes brutos e naturais pelo mercado. São os brutos os mais procurados. Muitos produtores fazem o dois em um e apresentam os seus brutos com adições de açúcar no limite superior permitido por lei, fazendo assim brutos mais docinhos, capazes de agradar tanto a consumidores mais exigentes, como a públicos mais adeptos do coisas menos amargas e ácidas, como sejam os jovens consumidores e sobretudo o público feminino. O outro fenómeno prende-se com a explosão de marcas brancas nos supermercados a preços muito mais baixos, onde se nota nos vinhos uma maior intervenção enológica para correcção da esperada menor qualidade das uvas que deram origem a esse vinhos. Alguns desses vinhos parecem mais xaropes gaseificados que espumantes e estão muito longe da exigência que tem incrementado esta enorme transformação qualitativa dos espumantes nacionais.

Tchim, tchim!

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