terça-feira, 14 de junho de 2011

O risco de não correr risco nenhum








Ela andava prenha! Já com dificuldades em andar arrastava-se penosamente, com aquele olhar tranquilo de quem não espera muito da vida, apenas viver o que tiver de ser. Era a sua primeira gravidez. Nós andávamos frenéticos e com a cabeça cheia de planos. Esperávamos ansiosamente a hora feliz. E a hora chegou no dia 30 de Abril a meio da tarde. Pariu cinco lindos gatinhos.
Antes disso, já havíamos preparado a cama – uma caixa de papelão cuidadosamente escolhida, abrigada do frio, do vento, e do sol, forrada de fofos tecidos coloridos. Para além de confortável era linda. - Já dormi pior, pensei. Ela fez-nos a vontade e pariu precisamente nessa caixa. Dormimos tranquilos!
No dia seguinte os gatos tinham desaparecido. Incrédulos, o pânico apoderou-se de nós.
Procuramos por todo lado, qual pais inexperientes. Finalmente encontramos os pequenos felinos. Estavam no meio das ervas ao relento, sujos e cheios de carrapetos. Mudamo-los novamente para a confortável caixa. Nem queríamos acreditar como é que alguém preferia um baldio sujo àquele conforto de hotel 5 estrelas. Ela mudou-os uma, outra e um sem números de vezes. Nós repostamos! Ela mudou-os cada vez para locais mais ermos e inacessíveis! Desistimos!
Há poucos dias um rapaz de 11 anos morreu na cidade australiana de Brisbane depois de ter caído do sétimo andar de um prédio quando tentava tirar uma fotografia a fazer equilibrismo na varanda. O jovem pretendia colocar no Facebook a fotografia de um movimento que está a fazer sucesso entre jovens: o “planking”.
Vimos recentemente duas jovens a espancar brutalmente uma terceira, enquanto um quarto jovem filmava provavelmente cheio de adrenalina.
Sabemos também que diariamente chegam às urgências psiquiátricas dezenas de jovens, aparentemente bem inseridos social e familiarmente, a maioria estudantes, muitos universitários, em estados de crise psiquiátrica aguda por se terem entregue voluntariamente a experiências de consumo massivos de álcool, haxixe ou outras drogas de ocasião. Muitos destes episódios ganham a forma de concurso, onde cada adolescente se testa para ver quem aguenta mais, para testar limites, levando a estados limite em que a vida é seriamente posta em causa!
Outros exemplos chegam-nos todos os dias de jovens criados em autenticas redomas, que decidem experimentar de forma pouco convencional e despropositada situação de risco limite: Posse de armas, corridas a alta velocidade , etc...
O que os levará a fazer isso? O que tem isto a ver com os gatos?
Nada! E tudo!
Quisemos fazer com os gatos o que muitas famílias fazem com os filhos – asfixiá-los no conforto, percepcionar e protegê-los de todos os riscos, protegê-los do sol, do vento, do frio, do sofrimento e de tudo o que achamos que pode por em risco o seu conforto. Esquecemo-nos que descendemos do homem da caverna, de índole selvagem, que teve que aprender ombro a ombro com a morte a desenvolver competências para se manter vivo, e que por isso, sempre viveu no risco.
Hoje os nossos filhos vivem em estufas! E sempre que podem, não o podendo fazer faseadamente com os pais, fazem-no de forma abrupta com o seu grupo de pares. É a sua natureza. Nada mais simples!
Manuela Flamming já o tinha referido, invocando Peter Blos, no seu livro Toxicodependência e Família, chamando a atenção para esta nova estirpe de miúdos a quem tudo é oferecido e que são desordenadamente elogiados e admirados, mesmo quando cometem faltas e falhas graves. Estas crianças desenvolvem uma imagem de seres grandiosos, desenvolvendo uma auto-admiração acrítica que se torna numa fonte exclusiva de auto-estima. Vivem na dependência duma apreciação e aprovação irrealista do seu valor e da sua importância porque a sua falsa auto-estima tem de ser mantida à custa do alimento narcísico. A derrocada surge normalmente associada a perturbações de comportamentos ou a comportamentos aditivos e muitas vezes na sequência de pequenos nadas: uma reprovação, uma perda súbita, um fracasso profissional, uma rejeição amorosa, um irmão que obtém mais sucesso…Um profundo vazio, o sentimento de desvalorização de indignidade inunda então o self… e a raiva e o desespero preenchem então a sensação de vazio. São jovens que não travaram as lutas inerentes à realização do ser humano, porque vivendo em estufa, não se confrontaram com os processos dinâmicos inerentes ao crescimento e por isso nunca perderam mas também nunca ganharam. Mas tarde, procuram ansiosamente novos objectos ideais que restaurem a harmonia interna, construída na sua despedaçada grandiosidade infantil. Neste contexto, o encontro e a descoberta dos efeitos poderosos e mágicos do tóxico podem satisfazer de imediato o desequilíbrio e reparar o dano narcísico. Infelizmente o pedido de ajuda surge muito tempo depois!

quarta-feira, 18 de maio de 2011

a última vassourada




Por brincadeira dizemos lá no meu serviço, quando os resultados alcançados não são os esperados, que continuamos a ser muitos bons, os doentes é que não prestam!
Esta frase voltou a ecoar na minha cabeça ao ler a lista das 100 personalidades mais influentes em Portugal publicada pelo semanário Expresso, na sua edição do dia 30 de Abril. Nós temos de facto pessoas excepcionais em Portugal, os resultados obtidos é que são verdadeiramente ruinosos!
Num primeiro sopro de pensamento irreflectido, poderíamos ser tentados a colocar todos no mesmo saco. Mas não! Muitas das personalidades eleitas pelo Expresso são figuras incontornáveis que se destacaram por mérito próprio em vários sectores da sociedade portuguesa, desde os negócios, passando pelas artes, ensino, investigação e tecnologia, no domínio do pensamento, na moda, no espectáculo, na escrita, acabando no desporto. Pessoas que se destacaram pelo seu espírito inovador, capacidade de trabalho, empreendedorismo, persistência e capacidade de luta. Nada a opor!
Depois há inúmeras figuras da classe política ou das suas clientelas!
Nesta categoria a coisa ganha contornos obscuros não se sabendo verdadeiramente o que é que cada uma destas personalidades tem de relevante e muitos menos o que cada uma deu verdadeiramente ao país. Que saldo resultou da sua passagem pela vida política ou pelos sucessivos cargos públicos que ocuparam? Se foram e são influentes, em que sentido o foram? Pela positiva ou pela negativa? Não sabemos!
Quem nos levou a este estado de mediocridade politica, de ruptura financeira e social? Quantas pessoas foram responsabilizadas, julgadas ou condenadas?
O que vamos dizer aos nossos filhos quando eles nos perguntarem pelos responsáveis pela falência do país e hipoteca do futuro das gerações vindouras?
O que diremos aos nossos filhos quando nos perguntarem como foi possível que um rombo superior a 2 mil milhões de euros no BPN seja pago mansamente pelos contribuintes, sem que o povo se revolte, perante a completa ineficácia da justiça e a obscena impunidade dos criminosos responsáveis por tais actos? Onde vive Dias Loureiro? Quem o protege?
Como é possível tamanha fraude nas barbas do Banco de Portugal. O que aconteceu ao seu presidente por ter falhado a sua missão de supervisão? Foi responsabilizado? Demitido? Não, foi promovido e indicado para um cargo no Banco Central Europeu!
Como explicar aos nossos filhos que vivemos num país em que um gestor de empresas com participação do estado como a PT, EDP ou Galp, ganhe num só ano, em ordenados e prémios de gestão, o equivalente ao que um trabalhador comum apenas ganharia se trabalhasse 100 anos consecutivos?
Como explicar que gestores públicos ganhem prémios de produtividade em empresas que dão prejuízo, saltitando de empresa em empresa sem qualquer tipo de responsabilização?
Como explicar que empresas com participação do Estado paguem aos seus gestores prémios por resultados alcançados em áreas em que são monopolistas? Quantas pessoas conhecem que comprem electricidade a outra empresa que não a EDP?
Analisemos por exemplo o papel de Aníbal Cavaco Silva, um homem que apesar de continuar a insistir que não é político profissional - sim, porque a sua principal actividade deve ter sido plantar ervas aromáticas, mas que foi 10 anos primeiro-ministro, oito dos quais com duas maiorias absolutas, num período crucial para a estruturação de Portugal com os fundos comunitários. Afinal que influência teve verdadeiramente no país o homem que mais tempo leva de governação desde o 25 de Abril?O que pensar de um homem que sendo sério, nunca foi um visionário, nunca mostrou para além do betão e do cimento, um projecto verdadeiramente reformador ou uma ideia de desenvolvimento sólida para o país, marcando até a sua governação por actos de pura tacanhice e medíocre dimensão humana e intelectual, como demonstrou, já como Presidente da República, ao ter faltado ao funeral do Nobel José Saramago, confundindo uma antipatia pessoal (admissível) com o exercício de um cargo político – indesculpável. O que nos deu este homem? E o que nos tirou verdadeiramente? Quem autorizou que se aceitasse dinheiro da Comunidade Europeia para desmantelar um boa frota pesqueira e um já pobre sector agrícola? Para quem foi o dinheiro dos fundos estruturais?
E Durão Barroso? O que nos deu verdadeiramente esse mestre do jogo de cintura, ilustrado por um percurso politico cheio de deambulações e golpes de rins, desde os tempos de militância no MRPP até à inacreditável fuga na primeira oportunidade para a Comissão Europeia, onde hoje está confortavelmente instalado, deixando o pais entregue na altura a um rapaz chamado Santana Lopes. Que influência teve Durão Barroso na nossa vida?
E Guterres? Esse homem conhecido por ser “um homem bom”, mas sem mão no ávido aparelho socialista, que gastou o que tinha e fundamentalmente o que não tinha! O que deu ele a Portugal?
E o que dizer de figuras como Soares, Alegre ou Almeida Santos, que cedo se deixaram encantar pelas mordomias do estado, fazendo deste o seu habitat natural?
E esta manada de gestores públicos com cartão partidário que saltita de empresa pública em empresa pública acumulando influências, ordenados obscenos e reformas douradas? O que é que Portugal lhes deve? E a esta nova geração de deputados filhos de ex-deputados que invade as bancadas parlamentais? Qual a sua profissão? Em que área se destacaram?
E os banqueiros, tão acarinhados pelo poder politico, o que deram à economia portuguesa?
E que fez esse gestor de elite, que dá pelo nome de Rui Pedro Soares, que no seu curriculum pouco mais tem que a circunstancia de ser amigo pessoal de Sócrates, para merecer os 5 milhões de euros em ordenados que ganhou desde 2005 na PT. Quanto deve esse senhor ao país? E quem permite estas atrocidades?
O que deve Portugal a Armando Vara? E a Sócrates, esse puro ilusionista?
Uma conclusão parece óbvia - Portugal tem imensa massa crítica e é até exportador de profissionais de altíssimo nível para o mundo. Porque não chega então esta elite aos centros de decisão política? Qual o verdadeiro papel dos partido políticos e dos seus aparelhos na sociedade portuguesa?

Neste cenário, em quem devemos votar nas próximas eleições?
Ou será como diz o bastonário da ordem dos advogados: “O que separa PS, PSD ou CDS consubstanciasse apenas no facto de não caberem todos à mesma mesa”.
Triste sina a nossa! Até quando?

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O último a sair que apague a luz…



Um dia no Estabelecimento Prisional, onde me desloco semanalmente para realizar sessões de grupo, um recluso disse-me com um ar absolutamente convicto – "Sabe, a corrupção é que faz andar Portugal. Sem corrupção isto não evolui. É verdade! Acredite!"
Momentaneamente fiquei inquieto e pensei - mas como é possível alguém pensar um absurdo destes! Mas, mais tarde, dei comigo a remoer naquela frase.
E conclui, ele tinha toda a razão.
Ora pensem. Imaginem que Portugal era um desses países civilizados e chatos do Norte da Europa, onde existem apertadas leis anti-corrupção, os titulares de cargos públicos são responsabilizados e punidos sempre que se desperdiçam dinheiros públicos e sobretudo, imaginem que existia uma coisa chamada consciência cívica. Ora, em primeiro lugar, tal como nesses países chatos e deprimentes, a taxa de suicídios disparava fazendo deste alegre país um enorme corrupio de velórios e funerais. Só em dias de nojo, bem aproveitados para fazer umas "pontes", seria um prejuízo monumental!
Em segundo lugar acabava-se com o desporto mais corrupto do país, a seguir ao futebol " passar a perna ao vizinho". Má ideia!
Imaginem agora este país sem Governos Civis. Essas altas escolas de potenciais candidatos a tudo o que seja lugar público. Um gajo queria tirar uma licença para lançar uns foguetes quando o Benfica é campeão, ou pedir uma autorização para realizar uma manifestação anti-corrupção e iria onde? Como é que era? Imaginem também este país sem a Sociedade Metro Mondego. Quem compraria todos aqueles BMW topos de gama para os administradores? Quem durante 14 anos consumiria todos aqueles almoços e jantares em restaurantes de luxo e bebia garrafas de tinto topo de gama à custa do orçamento? A economia reflectia-se imediatamente, como é óbvio! E o FMI está atento. Qualquer distracção e eles vêm cá com a ideia de acabar com a corrupção. Não! Não podemos facilitar. A corrupção é uma conquista de Abril!
Agora imaginem este pais sem o Gang dos Robalos? E o Paulo Portas? Pronto! Não imaginem. Seria doloroso de mais, agora com esta "estória" do saca-rolhas.
Mas tentem imaginar este país sem o projecto Portucale, com todos aqueles sobreiros ainda de pé, cheios de cortiça, a poluir o ambiente e impedir o progresso de Portugal!
Imaginem este pais sem partidos políticos fortes, financiados por empresários com malas cheias de dinheiro em troca de facilidades e acelerações de processos. E quem é capaz de imaginar este país sem os preciosos blindados, adquiridos sem concurso público, para que chegassem a tempo da Cimeira da Nato, realizada em Lisboa. Seria o fim! É que aqueles blindados serão fundamentais num futuro muito próximo para combater os pobres na rua!
E se algum iluminado tivesse a ideia peregrina de meter a Justiça a funcionar? Meu Deus! Seriamos privados do contributo desta cintilante classe política, que tanto tem dado ao país.
E sem as derrapagens das obras públicas? Da Casa da Música, da Ponte Rainha Santa Isabel, da A1, da A2, da A3... da A25?
Agora parece que criaram vinte e tal cargos de vice directores para o Instituto da Segurança Social. Bem! Esta medida é essencial e só peca por tardia. Esta gente vai comprar carros topos de gama, quintas, casas, barcos, beber bons vinhos, enfim dinamizar a economia.
O problema não é esse. O problema é que nos faltam mais programas tipo a Casa dos Segredos, Portugal no Coração e as Tardes da Júlia para entreter os pobres. Esses não fazem falta nenhuma e só dão prejuizo ao país!
Combatasse então a pobreza nas ruas com os blindados!

E o último a sair que apague a luz e bata a porta…

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Uma wii com o kamasutra integrado


Tenho postado na maioria das vezes, a partir de uma visão crítica e demasiado descrente do que me rodeia. Nunca da vida! Essa é um bem essencial. Impagável, da qual tiro um gozo quase absurdo. Já repararam que neste mundo sucederam-se povos atrás de povos, impérios atrás de impérios, gerações atrás de gerações e apesar do rolar lento do tempo, da sucessão de milhões de anos, é agora a nossa vez de viver! De estarmos vivos. É fantástico, não é? Já repararam que neste planeta há muitos mais mortos que vivos? E nós estamos vivos!
Bem sei que as coisas não estão famosas, mas mais vale uma vida má em vida que uma boa vida em morto! Há corrupção na política, nos governos, nas autarquias, no futebol, a nossa classe politica gosta de fazer exames ao domingo, doem-me as costas quando corro ou exagero na horta ...blá...blá...blá...

Fui a uma festa de aniversário há uns tempos e encontrei lá um homem de 85 anos que há pouco tempo atrás tinha estado praticamente morto. Não andava, mal falava e da vida esperava apenas a morte. Esteve profundamente deprimido, na sequência da morte da sua companheira de sempre, a sua esposa, falecida em 20O7. Recuperou!
Falei com ele e disse-lhe em tom de brincadeira “Então, como está? Você é rijo como o ferro! E quando esperava um torrente de desgraças, ele respondeu com aquele sorriso paralisante - Vou indo! Ainda não morri! Digo-lhe que está com óptimo aspecto. Ele responde que nesta vida só tem pena de uma coisa… do sexo. E diz-me que ainda há pouco tempo era capaz de dar uma boa cambalhota. Proponho-lhe uma mulher de 30 anos, ele admite já não ser capaz… a não ser que ela esperasse uma boa meia hora, mas não queria ficar mal visto. - Elas já não esperam por ninguém! disse-lhe eu.
- Ainda tenho esperança de dar umas cambalhotas! Eu agora tenho tempo! Estou reformado! rematou.
Esplêndido! Oitenta e cinco anos… E esta capacidade de se centrar nas coisas boas da vida e fundamentalmente de rir de si próprio, de brincar com as próprias fragilidades! - Olhe, disse-me ele, o melhor é agente beber um copo. Ainda hoje vou ferrar o motor! Concluiu com aquele sorriso maroto como se risse da própria vida.
A todos um ano novo cheio de autenticidade. Que digam aquilo que outrora não foram capazes de dizer a quem verdadeiramente amam ou detestam.
E não se esqueçam! O mundo está cheio de mortos!
Eu vou ferrar o motor e depois logo se vê! Até para o ano!

agora como a crise é profunda. As pessoas andam um pouco perplexas. E com razão! O que nos dava mesmo jeito, já que estamos em plena "escaldante" campanha eleitoral, era que o Sr Anibal promete-se a cada português uma bimby e a wii com o kamasutra incorporado. Já se prometeram coisas piores!! Um bom ano a todos!

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Canalhices


Os canalhas aprovaram o mais duro orçamento de estado da história da democracia. Os canalhas gastaram 5 milhões em carros blindados. Os canalhas dizem que a situação é difícil. Os canalhas não sabem o que fazer com os carros blindados. Os canalhas compraram submarinos. Os canalhas pagaram mais 365 milhões pelos submarinos. Os canalhas não sabem do dinheiro. Os canalhas baixaram as pensões sociais. Os canalhas reduziram os salários dos trabalhadores. Os canalhas abriram excepções para os gestores das empresas públicas. Os canalhas não taxaram as mais-valias bolsistas dos ricos. Os canalhas reduziram os benefícios sociais dos pobres. Os canalhas venderam sucata. Os canalhas receberam robalos. Os canalhas licenciaram-se ao domingo. Os canalhas renovam a frota automóvel topo de gama das empresas públicas. Os canalhas fecham escolas. Os canalhas pagam salários milionários aos gestores públicos. Os canalhas reduziram o subsídio de desemprego. Os canalhas mandaram parar a obras da linha do Tua e da Lousã. Os canalhas mandaram avançar o TGV e o novo aeroporto. Os canalhas anteciparam dividendos para não pagar impostos. Os canalhas travaram a tributação de dividendos das grandes empresas. Os canalhas subiram a taxa do IVA para 23%. Os canalhas nomeiam amigos. Os canalhas sobem a gasolina antes do preço do petróleo subir. Os canalhas não descem a gasolina quando o preço do petróleo desce. Os canalhas dizem que isto está mau. Os canalhas dizem que isto tem sido mal governado. Os canalhas estiveram sempre na governação. Os canalhas têm um discurso alinhado. Os canalhas protegem-se uns aos outros. Os canalhas estão em toda a parte !!!
Este texto é uma homenagem ao grande Mário Crespo e fecha o ciclo de desconforto deste ano que nos deixa. Para o ano há mais!

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O grande preservativo


Não deixa de ser irónico que vivendo nós no auge da grande revolução tecnológica, nomeadamente a das tecnologias da comunicação, estejamos cada vez mais isolados, vazios e encerrados dentro de uma bolha com cada vez menos canais comunicantes. As famílias depois de mais um dia de trabalho iniciam a cavalgada de final de tarde correndo com os filhos de actividade em actividade. Eles, esses verdadeiros cavalos de corrida, correm da música para a natação, da ginástica para o judo, do inglês para a explicação de matemática como se estivessem em plena pista de tartan. Depois do jantar corremos todos, cada um para o seu ecrã e vamos “comunicar” com os nossos 500 amigos no facebook, muitos, amigos apenas virtuais, que nem sequer temos a certeza se nos acudiam caso desmaiássemos num passeio. É neste mundo artificial que passamos a maior parte do nosso tempo livre, a bisbilhotar a vida de pessoas que mal conhecemos e com os quais, nalguns casos, nunca trocámos uma única palavra.
O homem terá sido, de acordo com algumas teorias, a espécie falhada, no sentido em que era profundamente incompetente à nascença. Esta teoria formula que a nossa espécie seria menos preparada para se confrontar com as adversidades do mundo externo que as demais. Enquanto, por exemplo, um pato consegue nadar um minuto depois de nascer, ou um vitelo andar logo que abandona o ambiente uterino, nós, ao contrário, nascemos em situação de grande fragilidade e dependência de cuidados de terceiros. Terá sido aliás essa dependência a responsável pela evolução da espécie, realizada a partir da relação com outros homens. Essa necessidade de cuidar e de ser cuidado, aguçou o engenho, permitindo o desenvolvimento da linguagem, dos afectos, da inteligência, da identidade, da personalidade, e sobretudo das emocões. A partir daí imergiram os papéis sociais e consequentemente todo o processo de socialização – o homem constrói uma ideia de si e do mundo a partir da relação com outros homens, diferentes de si e necessariamente com diferentes experiências e visões do mundo. O homem, portanto, desenvolve-se e distancia-se das demais espécies por uma necessidade absoluta de amparo. Essa incompetência primordial resultaria na perda de muitos indivíduos, dos mais fracos e menos aptos, permitindo a sobrevivência dos mais bem preparados enquadrando-se naquilo a que o inglês Charles Robert Darwin veio a defender mais tarde na sua teoria evolucionista.
Assim, seres humanos pouco competentes e menos hábeis do ponto de vista comunicacional, têm mais dificuldade e falham frequentemente no seu processo de socialização. Esta falha está muitas vezes associada a factores experienciais, ambientais e sobretudo relacionais que muitas vezes conduzem o indivíduo a quadros de perturbação de personalidade.
Naturalmente que não defendo nem associo o sucesso das redes sociais a estes factores, até porque existem pessoas muito competentes do ponto de vista social e que são utilizadores massivos das redes sociais. Ainda assim, penso que não será de todo descabido assumir sem receio que muitas pessoas trocam a comunicação face a face por esta comunicação descomprometida, por ser mais fácil e menos “onerosa” que outras mais próximas e, por isso, mais ameaçadoras.
É frequente, na clínica, encontrar pessoas com 1700 amigos no facebook mas que não têm um só para tomar um simples café.
Sou um utilizador das redes sociais. Todos os dias bisbilhoto um pouquinho da vida dos outros. Todos os dias exercito a minha ânsia voyeurista e todos os dias também levo necessariamente com a veia voyeur, exibicionistas e histriónica de algumas almas ávidas de “palco” e de reconhecimento.
Um dia deste recebi no facebook um pedido de amizade de uma pessoa, com a qual me cruzo frequentemente, mas apesar disso, nunca trocámos uma única palavra. Hesitei, na medida em que a nossa distância relacional era evidente, mas ao cabo de 3 dias aceitei o convite! Vasculhei o seu perfil de ponta a ponta. Fotografias e mais fotografias com poses mais ou menos provocantes onde era nítida a preocupação pela estética e os seus dotes físicos eram cuidadosamente postos em destaque. Viagens, muitas viagens devidamente legendadas para que não restassem dúvidas da sua veia viajante, das suas posses e do seu estatuto social. Pensei - Que mulher interessante. Continuei a vasculhar já a salivar como o cão de Pavlov. Mas nada mais! Para além dos seus atributos físicos, da sua necessidade de levar ao mundo o seu extraordinário estilo de vida, apenas restavam meia dúzia de erros ortográficos e um jogo tipo “Achas que o fulano tal era capaz de andar em cuecas na rua?”
Encontramo-nos casualmente dois dias depois num local público. Fiquei aflito, afinal conhecia imenso daquela mulher e ela de mim. Éramos quase íntimos. Como iniciaria a conversa? Sobre as suas idílicas viagens? Falava do seu corpo escultural? Dos erros ortográficos? Estava ansioso. Não sabia como começar. Depois pensei, ela é que teve a iniciativa do pedido, que seja ela então a fazer as despesas da conversa. Ela continuava a andar, a andar, ia finalmente passar por mim… E no grande momento…passou! Nada! Nem um olhar!
Foda-se! Sussurrei, entre dentes!
Assim a gente até se relaciona mas não engravida da relação. A relação virtual é, na maioria dos casos profundamente estéril! É como viver envolto num enorme preservativo atado pela boca. Estamos lá mas não nos tocamos.
Assim, no ano novo, preventivamente para não salivar em vão, vou eliminar da minha lista de amigos todos aqueles que, apesar de meus amigos virtuais, não falam comigo. São poucos felizmente! Em vez deles vou plantar 50 nabiças no meu quintal e tratá-las com carinho. Pelo menos assim posso relacionar-me desinteressadamente com elas, acompanhar o seu crescimento, sem ter que levar com as suas poses eróticas mais o seu fabuloso estilo de vida!

sábado, 4 de dezembro de 2010

Ela


Ela tem dores. Ela tem muitas dores. Pesam-lhe as pernas. Pesa-lhe o corpo. Pesa-lhe a angústia. A vontade de trabalhar é a mesma, o afinco, a obstinação, a resistência, são as mesmas. A saúde não! Aquela obsessão pelo trabalho concluído, independentemente do relógio, da fome, das dores, é a mesma. Que dores! O Relógio era a tarefa feita, bem feita. Ao sol. Que sol! Que ardor na pele, que calor na pele. Doem-lhe as pernas, o corpo, a mente! Ela dói-me. Dói-me muito!