Tenho uma perna mais curta! Sou assim uma espécie de triângulo escaleno andante ou um tripé de pernas irregulares mas firmes. Umas mais que as outras, é certo! Fiquei deprimido, como convém a um bom neurótico claro está. Para comemorar, inscrevi-me na corrida mais dura que alguma vez fizera - o Utax – Trail dos trilhos da Serra da Lousã! Era agora ou nunca mais! Uma prova de 42 km, serra acima, serra abaixo, um poderoso contraste entre beleza e dureza, capaz de nos provocar uma overdose de serotonina!
O Trail Serra da Lousã iniciou-se às 9h em Castanheira de Pêra, seguindo em direcção ao parque eólico na espinha da Serra da Lousã. Depois de percorrer cerca de 7 km no topo desta cumeada, descemos para as aldeias do Catarredor e Vaqueirinho, e daí para a Aldeia do Xisto do Talasnal, onde estava localizado o nosso primeiro abastecimento.
À saída do Talasnal, o percurso do trail desce por um trilho técnico até a uma levada de água, que segue ao longo de 800 m para depois encontrar o trilho de ligação à Aldeia do Xisto do Candal. Aos poucos abandona-se a aldeia e surge um novo trilho em direcção à Cerdeira (o abastecimento seguinte). A passagem por esta Aldeia do Xisto adivinha o fim desta longa subida e depois de um último esforço começam a avistar-se os aerogeradores de Vilarinho e por fim o Trevim, ponto mais alto da Serra da Lousã, com 1205 metros de altitude.
Do Trevim segue-se para Santo António da Neve, passando junto à Capela e aos Poços de Neve - Local de romaria e festa dos povos serranos, a capela e os poços de neve fazem-nos sonhar com tempos remotos em que o povo arduamente recolhia e armazenava a neve, transformando-a no gelo que na época estival seguia em carros de bois até ao Rio Zêzere ou rio Tejo e daí em barcos até à Casa da Neve, que há época detinha o estatuto de fornecedor da casa real e, em caso de o gelo ser abundante, estava autorizada a vende-lo para cafés e hotéis da cidade a oitenta reis o quilo.
Este é o ponto de partida de um trilho imperdível e cheio de história (o trilho do neveiro), que desce para o Coentral Grande, onde estava o último abastecimento da prova. Os últimos quilómetros apresentam um desnível suave ligando o Coentral às aldeias de Sarnadas e Pisões, com passagem pela Praia Fluvial do Poço do Corga, Torgal, e terminando em grande com a passagem pela Praia das Rocas e o sprint final, de gatas, até para a Praça da Notabilidade.
O problema foi que nos enfiamos num café a beber minis pretas a 10km do final da prova e nos esquecemos que os últimos quilómetros, sendo os mais suaves a nível do relevo, seriam os mais cruéis para umas pernas que já massacradas por cerca de 32 quilómetros. Mal engulo o primeiro trago de cerveja, o meu cérebro festejou, entendendo que a prova tinha acabado. Paralisei. Cheguei à meta paralisado!
Claro está que no domingo estive de cama todo dia e na segunda-feira sentia-me "apenas" um pouco pior! Uma semana antes, preventivamente tinha comprado uma palmilha para enfiar na sapatilha da perna mais curta! Mas, por azar e na pressa do dia, confundi as pernas e acabei por correr mais de quarenta quilómetros com a palminha na sapatilha errada. Por isso diziam, nos postos de controle - Eh pá aquele gajo vai a correr na diagonal! Eu, estúpido, ria-me a olhar para um parolo qualquer meio torcido que seguia a meu lado!
Seguiu-se uma mais que justificada ida ao endireita por sugestão sábia de um amigo.O homem era um mago claro está, bigode à Tonico Bastos, trinta anos de experiência, dos quais 15 no Japão ou na puta que o pariu e um basto curriculum que ocupava todas as paredes do consultório. Depois de me chamar doido por andar armado em parvo a correr, lá me mandou deitar numa marquesa tamanho XXL, onde, num estranho ritual ancestral, começou entre bufos e urros e revirar de olhos a puxar e repuxar todas as partes do corpo que conseguiu apanhar! Largou-me morto no chão e bastante mais aliviado… na carteira está claro! No dia seguinte recomeçaram as dores, acrescidas da dor de alma por ainda acreditar em endireitas e em estórias da carochinha!
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