
A arte do encaralhanço é um desporto nacional! É levada
a cabo por encaralhadores profissionais. Estes profissionais do encaralhanço
estão presentes em todo lado. Uns são nossos vizinhos, outros conhecidos,
colegas de trabalho ou até nossos chefes. O seu objectivo é basicamente impedir
que a coisa avance. São aqueles tipos ou tipas que nem fodem nem saem de cima! Nem
lá vão nem deixam ir! Há-os em todo lado, sobretudo nas repartições públicas. Mas
existe uma classe onde eles se encontram em abundância – na classe das chefias!
São os casos mais graves!
A maioria dos portugueses alimenta um sonho secreto
– o de um dia chegar a chefe de qualquer coisa! Chefes há-os de todos os
géneros, uns são chefes de outros chefes, outros apenas de alguns
trabalhadores, outros apenas chefes de si próprios, outros de merda nenhuma.
Estes últimos são os que menos prejuízos dão à nação. Mas dizia eu, se um dia o
tal gajo que sonha ser chefe conseguir concretizar o seu sonho, no dia
seguinte, põe em prática a arte do encaralhanço.
Primeiro começa por dizer mal do chefe anterior – um
incompetente, um encostado, um burgesso. No segundo dia de trabalho toma a sua
primeira medida! Mudar a disposição do gabinete. Dispõe todos os móveis ao
contrário do seu antecessor. Mesmo que não existam fichas eléctricas adaptadas
à nova disposição, ele inventa e transforma aquilo numa central eléctrica, com
extensões e cabos eléctricos pelo chão ao ponto de um gajo, se não tiver
atenção, cair e partir os cornos contra uma esquina qualquer. Finalmente coloca
umas fotos de família para marcar o território, como fazem os cães. Só não
alçam a perna e mijam para as pernas dos móveis por sorte. Aquele passa a ser o
seu território.
Depois dessa revolução, altamente estratégica, que
ocupa todos os funcionários durante uma semana, o gajo passa ao passo seguinte
– reformular procedimentos. Então, independentemente da eficácia dos
anteriores, ele adopta um exaustivo pacote de novos procedimentos para
encaralhar. Mesmo que se revelem disfuncionais, ele mantém-nos teimosamente só
para ficar claro que quem manda naquela espelunca é ele e mais ninguém.
O passo seguinte, consiste em rejeitar todas as
ideias (boas e más) que lhe proponham, não vão elas tirar o brilho à sua
extraordinária liderança. No fundo o que o encaralhador quer é deixar a sua
marca, sentir-se como o galo no poleiro.
Se um gajo propõe uma ideia, ele não aceita à
primeira, nem à segunda, nem à terceira. Tem que reflectir. Ponderar! Pesar os
prós e os contras. Pede uns dias. Depois arruma a proposta na gaveta e com um
bocado de sorte nunca mais vê a luz do dia. É arquivada automaticamente. Nunca
mais se ouve falar de tal merda!
Apesar de não acontecer nada! O gajo marca reuniões
regulares! Aproveita-as para esfregar o seu sôfrego ego. Fala de umas viagens
que fez com a mulher em mil novecentos e troca o passo às Caraíbas, a Palma de
Maiorca, à romaria do Santoinho e à puta que o pariu. Fala de uns projectos em
que esteve envolvido, nos quais teve papel relevante, senão fundamental, com
resultados verdadeiramente estratosféricos.
Enquanto isso, um gajo vai gatafunhando uns bonecos
nas folhas pagas pela repartição. Acrescenta umas linhas, mais umas linhas, até
que constrói uma banda desenhada! Depois faz a lista do supermercado, idealiza
o jantar, o vinho para o acompanhar, projecta um vinho da próxima colheita e
quando de repente acorda, volta à realidade e dá com o gajo todo babado, ainda
a falar dos seus feitos heróicos!
Entretanto fala apaixonadamente dos projectos
futuros, enumerando uma lista exaustiva de novas ideias de que vais ouvir falar
pela primeira e ultima vez.
O encaralhador não toma decisões. Tem medo de ferir
susceptibilidades. É redundante, teórico, abstracto. A melhor forma de se
manter no cargo é não fazer ondas. Faz uma gestão tranquila. Nunca toma
partido. Mantém-se ali naquela zona de conforto, na terra de ninguém. Na
ambivalência!
Um dia, porque se portou bem e até fez uns
favorezitos a um outro encaralhador, será promovido ao posto de
encaralhador-mor! Até que um dia chegarão encaralhadores de outras cores e vão todos
para o caralho!
Ai a coisa recomeça. A primeira acção do novo
encaralhador é dizer mal do seu antecessor, depois reconfigura o seu gabinete.