Farei um esforço
para que este texto não cheire a presunção, não seja profundamente egocêntrico,
narcisistas e cagão. Não é fácil tratando-se de quem se trata. Mas vamos lá…
O título deste post não deve ser lido apenas no seu
significado literal! Caso assim fosse teríamos, nessa superficialidade, apenas acesso
ao lado robótico e materialista da questão! Devemos pois, em nome da boa
análise, expandir a nossa interpretação englobando nela as nossas mais
profundas intuições, as nossas crenças, as nossas influências, as nossas
intenções, os nossos medos, as nossas angústias, os nossos desejos mais secretos,
as nossas qualidades e defeitos. Os nossos pecados!
Então, a nossa
árvore, os nossos filhos, os nossos livros serão a expressão do nosso mundo
espiritual, introspetivo e consciente. Serão a expressão do propósito da nossa
existência, um desenho para a vida. O nosso desenho. Um desenho que seja eterno
até que a vida se nos apague!
Sendo assim, não
quero fazer um “Vinho”! Quero fazer o “Vinho”! O vinho que pudesse ser inscrito
no meu cartão de cidadão! Que expresse uma identidade profunda, uma filosofia,
que seja autêntico nas suas qualidades e nas suas arestas. Sim, porque os grandes
vinhos não são redondinhos e bem acabadinhos. Os grandes vinhos resultam de
condições limite e por vezes adversas, são filhos de anos atípicos, de
condições climatéricas atípicas, de produtores atípicos! Os vinhos monumentais
são como as pessoas monumentais! Atípicos!

O engarrafamento
era para começar às nove em ponto! Não começou! Tive a ajuda de dois velhos amigos
e companheiros destas andanças, o Zé Mário Carvalho e o Miguel Carvalho – dois
bons car..valhos, é o que eles são! E por falar em carvalhos, todos os vinhos
engarrafados estagiaram 12 meses em barricas recondicionadas de carvalho
francês.
Em cada garrafa que
se rolha, em cada último impulso no engarrafador, sublinha-se a esperança que o
tempo, esse mestre do acabamento, aprecie o nosso trabalho e sobre ele faça
magia – a magia de transformar o nosso suor, as nossas dores e por vezes as
nossas lágrimas, num néctar que nos encha a alma e que nos eleve ao Olimpo.
Cada garrafa que
se arruma sela um ciclo. Um ciclo que começou um ou dois anos antes na vinha
com a poda, empa, escavação das cepas, nutrição, tratamentos, desladroamento,
desfolha, vindima e finalmente a vinificação. E muitas dores! O nosso trabalho
enológico acaba no exacto momento em que o vinho por fim entra em cada garrafa.
Depois nada mais há a fazer a não ser esperar… sentado! É que nestes tintos
feitos com uvas da casta poeirinho (baga) de vinhedos antigos com idades entre
os 70 e os 100 anos, tudo é feiro devagar e a espera é obrigatória. Ao
contrário dos tempos que correm!


É que a Baga, também
chamada por aqui de poeirinho, é capaz de tudo. Se mal trabalhada na vinha e na
adega é capaz de fazer vinhos tão ácidos, delgados e frios que são capazes de
nos provocar um arrepio pela espinha acima. Ao contrário, se as uvas tiverem
origem em boas vinhas, com boa exposição solar e se bem trabalhadas na vinha e
na adega são capaz de originar vinhos monumentais, que se podem beber por 20 ou
30 anos!
Os vinhos baga são
vinhos tânicos, ainda que, paradoxalmente, sejam por regra ligeiros de cor.
Apresentam uma longevidade invulgar e pouco expectável para um vinho de mesa e
em alguns casos tornam-se lendários, irrepetíveis e com carácter absolutamente
raro. Os grandes tintos da casta baga nos primeiros anos de vida mostram
sobretudo aromas de vinificação. Dos três aos cinco anos parecem fechar-se um
pouco, para a partir dai explodirem em aromas de fruta preta e vermelha bem madura,
de frutos silvestres macerados, tabaco, com final de boca fino e especiado,
leve vegetal e aromas terrosos muito pronunciados! Têm frequentemente um nariz
muitíssimo perfumado e balsâmico, com sugestões de violeta. São vinhos únicos!

O segundo vinho
a entrar nas garrafas foi vinificado em 2015 e teve 2 anos de estágio em
barrica. Feito em exclusivo com uvas da casta baga da vinha quase centenária de
Casais de S. Clemente. Apresenta prenunciados aromas balsâmicos e surpreendentes
notas salinas. Chamamos-lhe “Penicas Baga 2015”

E pronto agora
vamos dormir, até à poda, e esperar até 2020 que o tempo trabalhe! Se eu já não estiver por cá, as garrafas estão na minha garrafeira, logo à direita dentro da manilha!