quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O Psicodrama Moreniano - Parte 2

 Júlia tem 38 anos, é casada e mãe de dois filhos já adolescentes. Casou cedo com o primeiro e único namorado. Foi sempre muito “agarrada” à sua mãe, que perdeu há mais ou menos um ano. Apesar de todo o seu afecto pela sua progenitora, nunca lhe tinha dito em vida o quanto a amava. Júlia era uma mulher defendida e fechada nos afectos. Uma linguagem que dominava mal. No dia da morte da mãe encontrava-se fora em trabalho e não tivera oportunidade de se despedir ou sequer tempo para um último beijo em vida!
O seu casamento já vivera melhores dias, suspeitava inclusivé que o seu companheiro pudesse ter uma relação extraconjugal. Os filhos, absorvidos pelas suas carreiras académicas e profissionais, pouco tempo passavam em casa.
Júlia deprimiu. Deprimiu gravemente, apresentava um discurso vazio, sem projectos ou sentido de vida consistentes e sobretudo uma recorrente ideação suicida, valorizada pela equipa terapêutica, que se arrastou por algumas semanas. Júlia nunca o disse claramente, mas alimentava o secreto desejo de se juntar à sua mãe.
A equipa terapêutica perante o diagnóstico e sobretudo pela reserva do prognóstico, manteve-se vigilante e foi ao longo das sessões dando suporte à paciente.
Algumas sessões mais tarde o director, quando sentiu que Júlia estava emocionalmente mais preparada propôs-lhe duas dramatizações:
Numa primeira sessão pediu-lhe que dramatizasse no cenário (palco) uma última conversa com a mãe. Júlia escolheu o elemento feminino mais velho do grupo, que fez de sua mãe e iniciou-se o diálogo, com recurso à técnica de inversão de papéis.
 A Júlia pode dizer à mãe tudo o que sentia e tudo o que tinha ficado por dizer. Já no lugar da mãe, disse o que pensava que a mãe diria. A conversa teve uma enorme intensidade emocional. Júlia pode despedir-se finalmente da mãe.
Numa segunda sessão, atendendo à ideia recorrente de suicídio de Júlia, o director propõe-lhe que se realizasse o seu próprio velório. Já que ela queria tanto morrer!
Ela simbolicamente morta, deitada no palco, cheia de flores por cima e coberta com um manto de seda preto (parte dos materiais obrigatórios), ouviu durante alguns minutos os outros elementos do grupo (egos auxiliares) nos papéis do pai, do marido e dos dois filhos, dizerem frases chave, devidamente instruídos pelos egos profissionais e director.
Depois de muitas provocações, o ego auxiliar que representava o papel da filha grita: “Como foste capaz, sua cobarde! Como pudeste deixar-me sem mãe! Gosto tanto de ti! Precisava tanto de ti!
De súbito, Júlia dá um salto e grita “ Merda, merda eu não quero morrer! A ideação suicida parou.
 
O psiquiatra romeno Jacob Levy Moreno, foi o criador do Psicodrama e do Sociodrama. Moreno nasceu em Bucareste, na Roménia em 1889 e faleceu nos EUA em 1974. Contemporâneo de Freud, do qual cedo se demarcou ideologicamente, foi um exemplo de criatividade e dedicação à investigação psicológica e social, deixando uma obra escrita reconhecida e um movimento psicodramático fortemente implantado nos EUA, América do Sul e Europa. Moreno propôs uma especie de fusão entre o teatro espontâneo e a psicologia.

O psicodrama é uma terapia individual, realizada em grupo, que através de uma teoria, de instrumentos e técnicas específicas permite aos pacientes dramatizar (dar movimento, dar vida) ao seu mundo interno num cenário (palco). Não se tratando de teatro, porque aqui o protagonista representa os seus próprios papéis, é possível por à “luz do dia”, as suas angústias, medos, frustrações, fantasias etc…
A sessão de psicodrama tem três fases. A primeira comporta dois momentos, o aquecimento inespecífico, na qual o director procura seleccionar o protagonista e o aquecimento específico, em que o director se foca já sobre o elemento que vai dramatizar. Segue-se então a dramatização em que o director convida o protagonista a subir ao cenário, procurando que ele reconstitua nesse espaço todo o contexto da sua vivência, tornando-a assim visualizável.
Na última fase fazem-se os comentários. Tal como o público, no teatro ou na vida, comenta o desempenho dos protagonistas, no psicodrama também o auditório se vai pronunciar sobre a dramatização, dando informações para uso futuro do protagonista. O grupo é ele próprio um agente terapêutico. Seguem-se os comentários dos egos profissionais e por fim o do director, a quem cabe encerrar a sessão.
A acção terapêutica do psicodrama resulta, em grande parte, do jogo entre protagonista e egos auxiliares que decorre durante a dramatização. Porém para que isso possa acontecer, o psicodrama dispõe de um certo número de técnicas. As principais são a inversão de papéis, solilóquio, interpolação de resistências, técnica de espelho, duplo, representação simbólica, objecto intermediário e estátua. São técnicas secundárias a auto-apresentação, Átomo social, role playing e jogos dramáticos.
 
Na lápide de Moreno está inscrito “ Aqui jaz o homem que trouxe a alegria à psiquiatria”

Saudações psicodramáticas para todos!
 
 
A teoria psicodramática Moreniana pode ser encontrada em diversos livros traduzidos e editados no Brasil. O maior psicodramatista vivo é o brasileiro Alfredo Soeiro, que vai estar amanhã, dia 9 de Novembro, na Lousã, no XI congresso da Sociedade Portuguesa de Psicodrama.

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