Ela
foi abusada sexualmente dos 13 aos 15 anos. Como na maioria destes casos, o
agressor andava por perto. Era um dos irmãos mais velhos. Tratava-se de uma
família de muitos filhos e pouca condição, viviam numa pequena aldeia na ilha
da madeira. Alguns dos irmãos mais velhos partiram cedo para outras paragens.
Na altura dos abusos habitavam a casa, a
vitima, a irmã mais velha, os pais e o irmão agressor. Ela
apenas se livrou dele quando este emigrou para os Estados Unidos. Mais tarde livrou-se
da casa e das memórias mais frescas quando veio estudar para Coimbra. Nunca
mais voltou.
Agora
tudo se complicara. Um irmão, emigrado nos EUA vem para casar. É inevitável o
reencontro. Todos se vão juntar na mesma ilha, na mesma aldeia, na mesma
casa, nas mesmas memórias. A sua ansiedade crescera brutalmente nas últimas
semanas. Maria estava à beira do
descontrolo. Viveu a dor silenciosamente durante anos. Mas não aguenta mais.
A
directora do grupo de psicodrama, Joana Amaral Dias, depois do aquecimento
psicodramático, pede a Maria que antecipe a cena do reencontro familiar no cenário
(palco). Ela fixa os olhos assustados na directora.
Olha para o palco, volta a olhar para a directora. Olha para mim, o Ego Auxiliar e avança em silêncio, cabisbaixa para a
cena. Ela era a protagonista
da dramatização daquela sessão.
No
palco constrói uma grande mesa de jantar com os bancos e à sua volta senta os
vários elementos, escolhidos por ela entre o grupo, que irão representar as várias
personagens da sua família. Na
mesa, simbolicamente, estão agora ela, a irmã mais velha, a quem na altura
tinha pedido ajuda, a mãe, o pai e o tal irmão agressor. Todos os papeis são
representados por elementos do grupo (egos auxiliares), excepto o do irmão
agressor que é representado por mim (ego profissional), por decisão da
directora
Os
diálogos começam recorrendo à técnica psicodramática de inversão de papéis. A Maria começa a interacção. Primeiro dirigisse à irmã e questiona-a sobre o seu silêncio –
Porque não me proteges-te? Segue-se a troca de papéis, a Maria troca de lugar
com a “irmã” e já no papel dela responde – Tive medo das consequências. Ele
ameaçou-me. Nas trocas seguintes a tensão sobe brutalmente. A Maria de olhos
anormalmente abertos desfaz verbalmente a irmã com acusações contundentes. Está
descontrolada. O seu rosto e o olhar pulverizam raiva. Segue-se a inversão de
papéis com o irmão.
-
Porque me fizeste aquilo seu porco? No papel do irmão e após algumas inversões
de papel pressinto-lhe no olhar e no silêncio a fúria prestes a explodir. De
repente a Maria acerta-me com um murro na cara com tal força que vejo estrelas
e sinto-me projectado contra a parede do consultório. A directora interrompe a
dramatização. Ela desata num choro descontrolado durante uns bons dez minutos.
Descarrega toda a tensão. Fica tranquila. Acaba de ter uma catarse de
integração.
Maria partiu pouco depois para a ilha da Madeira e o reencontro aconteceu sem ocorrências. Ela não mudou nada no seu passaso, mas naquela sessão integrou o passado de uma forma diferente. O passado é o mesmo, mas a forma como Maria o vive alterou-se profundamente.
Maria partiu pouco depois para a ilha da Madeira e o reencontro aconteceu sem ocorrências. Ela não mudou nada no seu passaso, mas naquela sessão integrou o passado de uma forma diferente. O passado é o mesmo, mas a forma como Maria o vive alterou-se profundamente.
Protagonista,
director, egos auxiliares, auditório e cenário, são palavras que têm um
significado específico no psicodrama moreniano. Fazem parte de léxico que, como
em qualquer outra psicoterapia, permite demarcar a interacção terapêutica da
interacção pessoal na vida real. Estes cincos conceitos são também os que
designam os “cinco instrumentos do psicodrama”.
Então
vejamos, onde se fazem as sessões do psicodrama?
O
psicodrama de grupo é realizado numa sala que em muitos casos tem poucos mais
de três por quatro metros e um jogo de luzes coloridas. No centro existe um
estrado baixo, a que chamamos cenário ou palco, sobre o qual estão colocadas,
num dos topos, duas cadeiras vazias encostadas pelas pernas da frente. Estas
cadeiras são o símbolo do psicodrama e, nesta posição, significam o encontro que
se vai processar. Quando o director as abre, inicia-se uma dramatização.
O
Cenário é o espaço nobre do psicodrama. É o equivalente ao palco teatral. É
neste espaço que se processa a acção, a representação terapêutica comandada
pelo director. Para a sua execução, o protagonista pode pedir que outros
elementos representem pessoas e pode compor o cenário com móveis e objectos
presentes na sala, concretizando melhor o espaço representado. A forma simples
e maciça dos bancos do auditória presta-se bem a este fim.
O
auditório, conjunto de todos os elementos do grupo, o público portanto, deve-se
aperceber de que o cenário é um espaço de liberdade. Tudo, desde as vivências
mais banais às fantasias mais secretas, se pode representar nesse espaço, e
tudo é reversível. O tempo pode avançar e recuar, uma acção pode ser repetida e
modificada conforme as suas consequências. Pode-se simbolicamente matar ou morrer.
Não se pedem contas pelo que cada elemento faz no cenário, contando que o
director pode sempre cortar a cena ou intervir de outro modo.
O
protagonista é quem vai utilizar o cenário (palco). É o elemento que, no início
da sessão, no aquecimento, se destaca do grupo pela importância ou oportunidade
das vivências que traz à discussão. Nesse caso ele pode ser convidado pelo
director para representa-las no espaço do cenário.
Durante
a dramatização o protagonista interage com os chamados egos auxiliares. Estes
são escolhidos, de entre os outros elementos do grupo, a fim de representarem
as pessoas com quem, na vida real ou na sua fantasia, ele interage. É
entretanto indispensável que a equipa terapêutica inclua, para além do
director, um o dois egos auxiliares com treino em psicoterapia e psicodrama, a
fim de executar papeis mais difíceis e certas técnicas e colaborar com o
director durante toda a sessão.
Tal
como o teatro ou a vida social não existem sem plateia ou o público, a
dramatização não tinha sentido sem o seu próprio público, o auditório. Este é
então constituído pelos membros do grupo que permanecem sentados, ou sejam que
não entraram na dramatização.
Finalmente,
o director é o principal terapeuta e o responsável por todo o processo do
psicodrama. Apesar de contar com a colaboração dos egos auxiliares, cabem ao
director todas as decisões importantes. É ele que inicia e finda as sessões e
as dramatizações, analisa o material relevante e elabora as estratégias,
controla o aquecimento, escolhe o protagonista e finaliza os comentários.
(continua)
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