
Sempre que mudo
de meias, coisa que faço cada vez mais raramente, levanto-me quase ao nascer do
sol, tal a empreitada que me espera!
Emparelhar meias é hoje para mim um
autêntico quebra-cabeças. É bem mais provável o emparelhamento amoroso entre
homens e mulheres, homens e homens e mulheres e mulheres, onde parece haver um
íman invisível capaz de provocar autênticos arrastões de emparelhamento, que emparelhar um único par de meias. Mudar
de meias é em certa medida até perigoso e coisa a evitar, tamanha a probabilidade
que tenho de chegar atrasado ao meu santo emprego ou até faltar da parte da
manhã e, ainda assim, apresentar-me com um par desencontrado.
Tenho em casa
quatros gavetas repletas de meias pretas de canhão curto. Optei por esta
tipologia de meias de forma estratégica, por ser daltónico e desse
modo fugir ao potencial desorganizativo que as cores têm em mim. Mas estava longe de
imaginar a tortura que me esperava. É que o meu parque de meias está de tal
modo desemparelhado, envelhecido e degradado que pôr a coisa na ordem é uma
tarefa hercúlea!
Um terço do meu portefólio
de meias está cheio de carrapatos, seres que trago das vinhas às toneladas e
que passam a habitar comigo em ambiente de grande intimidade. Outro terço do
lote é constituído por meias aparentemente iguais, mas que na verdade têm
sempre um ou outro pormenor impeditivo do sagrado emparelhamento. O último terço apresenta
nuances de pretos de tal maneira diferentes que podem variar do preto escuro ao
preto claro ou até, imagine-se, apresentarem riscas preto escuro, preto claro.
Fui claro não fui?
Mas o fascínio das meias desemparelhadas não se fica por aqui. Existe outa
tipologia de meias que me fascina ainda mais – As meias verdades!
Antes de mais
demandas, temos que prestar a devida homenagem e consequente agradecimento às
particularidades do nosso sistema de escrutínio político, judicial, social e
até jornalístico, por nos proteger de levar com verdades inteiras.
Noutros países,
menos preocupados com a saúde mental dos seus cidadãos e por certo menos desenvolvidos,
como a Dinamarca, Finlândia, Luxemburgo ou até a triste Alemanha, entre outros,
existe esse o mau hábito de esclarecer tudo até ao fim. Países de pouca sensibilidade claro está, onde existe o mau hábito de tratar e esclarecer os processos judiciais que envolvem por exemplo, altos dirigentes
de cargos públicos, políticos ou outros gatunos, até às ultimas consequências,
chocando e aborrecendo as pessoas com a realidade nua e crua, sujeitando-as à severa
consciência da realidade.
Em Portugal essa
violência não se verifica graças a Deus e à existência de um moderno sistema, produto de
anos de aperfeiçoamento, em que tudo fica sabiamente em águas de bacalhau!
Assim, poupam-se os contribuintes
portugueses a chatices desnecessárias e à confirmação de que os seus impostos possam acabar nos bolsos de
um bandido qualquer.
Imaginem o que
seria de nós se um dia destes nos confirmassem preto no branco que o Sócrates, o Pinho,
o Vara, o Artur Santos Silva, o Duarte Lima ou um outro qualquer gatuno se
apropriava do que era nosso. E se se descobrisse o que passou em Tancos? Seriam chatices atrás de chatices e noites mal dormidas, mais
calmantes, mais comprimidos para a tensão, para a tesão e outros aborrecimentos sem
necessidade!
Assim, este
nobre pais é uma enorme gaveta de meias-verdades desemparelhadas, onde ainda é
possível assistir em paz à novela da noite ou fantasiar sobre as encabadelas do
Ronaldo, sem que ninguém nos incomode com a maçadora realidade!
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